SEM TÍTULO – Annita Costa Malufe

SEM TÍTULO

 

Annita Costa Malufe

 

me lembro até hoje foi numa manhã de domingo

chovia muito no Rio ela disse

que conhecia os pais dela desde criança

que não imaginava que ela seria capaz

que nunca se imagina quando alguém é capaz

que as meninas estavam dormindo que

ela nunca mais tinha ouvido falar no seu nome até

hoje cedo quando abriu o jornal me

lembrei de você quando vi o nome

dela e depois me lembrei que era

uma manhã de domingo que eu estava no Rio

que chovia muito e que eu conhecia os pais dela

desde criança e que desde criança eu costumava

descer esta mesma rua quando vinha da escola

esta mesma rua que tinha outro nome que

tinha duas mãos e que dava para um terreno

vazio ou uma praça chovia muito eu não imaginava

nunca se imagina as meninas estavam dormindo

fiquei um instante tentando lembrar o nome

da rua o nome dela hoje cedo ela acenava

da página do jornal me lembrei de você 

………………………

 

não sabemos muito bem o que fazer

com nossas mãos tocamos as paredes

os gatos a louça estamos tremendamente

assustados ao redor de nosso prédio

algumas sombras acenam mesmo

em um dia como hoje mesmo em uma

tarde quente azul silenciosa mesmo aqui

vigio a paisagem como se ela fosse fugir vigio

a impressão de morte no quintal da casa

vizinha o cachorro que nunca mais

vimos o choro da criança que já é muito

velha o motor rangendo a grade gelada

mesmo em dia quente não sabemos

desapoiar ficamos trinta minutos em silêncio

mas todas as palavras estão correndo

pelo corpo estão em silêncio os gatos

a louça as plantas amarelas ficamos

trinta minutos sérios mas cada um procurava

uma coisa diferente entre as palavras

que corriam silenciosamente troncos

se desviando tocamos com as mãos

as paredes a quina das estantes o sisal do tapete

os grãos de café ou o vento seco as plantas

amarelando estamos tremendamente

assustados mas não gostamos de dizer

apertamos a garganta o maxilar o ar seca minhas

narinas gostaria de inventar uma desculpa nunca

mais acompanhei o sono do cachorro era

aqui eu me debruçava e de vez em quando

ele acordava para chorar de vez em quando ele

viajava e o deixava sozinho era natal ou 31

ficamos escutando a noite toda ele chorar