“Com que se pode jogar” – Luci Collin
Fragmento do livro “Com que se pode jogar”*, de Luci Collin.
De repente tudo é tão extenso e extremo e tão absolutamente irreversível e a gente ficou tão grande e reuniu tantas folhas e conheceu tantos nomes e decorou tantos deles e esqueceu o dobro das coisas e catalogou tantos gestos e pôs à prova as redondilhas e pôs em risco o feriado e preparou a armadilha e feriu e curou e tudo de novo e se impressionou com os silêncios e usou palavras do dicionário e se desencantou com os sentidos e se regozijou com pequenices e se desvencilhou dos falsos ombros e esteve na moda e esteve na lona e pediu asilo e obteve asilo e levou um não e levou um susto e levou um tiro na cara e recebeu uma notícia e recebeu flores e foi mesmo tão súbito? É tudo tão minguado e carescente e tão absolutamente irreversível. A chuva pesada lá fora golpeia o telhado com uma obstinação comovente; e nós, aqui dentro, resguardados, nem ouvimos.
LUCI, Collin. “Com que se pode jogar”. Curitiba: Kafka Edições, 2011.