Como dizer o indizível – Blanca Castelló
Como dizer o indizível
Blanca Castelló*
“O grande ditador” (1940), Charlie Chaplin
Muitas propriedades que podem ser atribuídas ao humor, ao riso, à sua utilidade para poder fazer crítica social. É isso que será tratado neste texto.
Por meio dos comentários com humor pode ser dito aquilo que se tenta esconder, questões que podem resultar socialmente desajeitadas; como perguntar com uma inteligência sutil as injustiças e as desigualdades que há em torno de nós. Através do tempo temos visto em diferentes planos artísticos como a utilização de humor poderia ser perfeitamente combinada com a crítica social. Sensibilizando o público em relação a assuntos tabu ou politicamente vedados.
E que melhor exemplo que Aristófanes para mostrar isso. Como o humor é a melhor “arma” para fazer denúncia social sem poder ser vedado, como rir daqueles que causam as injustiças. Numa sociedade tão avançada em alguns aspectos, mas ainda muito fechada em alguns outros, Aristófanes encontrou o meio perfeito para mostrar à sociedade Ateniense o que ele achava injusto.
Neste caso o humor está ligado à arte (ao teatro) tornando-se assim numa categoria estética que usa as sutilezas da linguagem teatral para apresentar fortes críticas sociais.
Assim, o humor passou a se tornar uma linguagem, uma forma de comunicação que permite ao autor colocar esses itens “proibidos” pela sociedade nos olhos e na boca de todos, por meio da brincadeira, do absurdo, da ironia e da ambiguidade.
No caso de Aristófanes, sem dúvida havia grande veemência nos dardos que ele atirava, uma indignação imponente dominava suas clarinadas contra a corrupção cívica. Por volta de seu nascimento, a democracia perdera grande parte do vigor, encontrava-se corroída pela corrupção, desmoralizada pela guerra do Peloponeso, o povo Ateniense deixava-se levar por políticos inescrupulosos.
O político que foi a principal “vítima” de Aristófanes foi Cleón, o militar e demagogo que sucedera ao grande líder Péricles. Em “Os acarnianos” o poeta cômico ameaçara “cortar Cleón, o Curtidor em couro de sapatos”. Na peça seguinte, “Os cavaleiros”, apresentada um ano depois, Aristófanes cumpriu a promessa. Embora desta vez não se tenha aventurado a dar às vitimas de sua sátira seus nomes corretos, como o fizera em “Os acaranianos”, mas todos identificaram o curtidor Paflagomano como Cleón. Havia considerável ousadia nesse comprometedor retrato de um político que estava antão no auge do poder.
Pergunta-se, se Aristófanes em vez de ter sido um escritor de comédia tivesse sido um político “convencional” poderia ter feitas todas essas acusações a Cleón? A resposta é não.
Também são bons exemplos qualquer das outras obras de Aristófanes, nas quais criticava questões como a educação, as guerras, o mal governo.
Muitos psicólogos usam o humor como uma forma terapêutica para mudar os entendimentos e interpretações das pessoas sobre os seus próprios problemas. O mesmo pode acontecer em um nível social. O riso tem servido como uma estratégia para lidar com o ambiente e através dela obter alguma distância para olharmos os aspectos “azedos” ou trágicos do mundo em que vivemos. Assim, vemos que ao longo da história piadas e arte combinam com a crítica social a ser utilizado como meio de resistência e luta, quer do ponto de vista político, social, cultural ou religiosa.
Ao longo da história há muitos exemplos de artistas que utilizam o trinômio “riso-crítica-arte” para retratar as mazelas do mundo que poucos ousaram apontar.
Um deles foi Charles Chaplin em seus filmes tragicômicos: “The Immigrant” (EUA mostrando obstáculos a pessoas estrangeiras), “The Kid” (que fala sobre a pobreza e abandono em uma época de individualismo), “Tempos Modernos” (um retrato da má condições sociais dos trabalhadores após a Grande Depressão), ou em “o Grande Ditador” (rejeição das ditaduras em geral, mas foi uma crítica direta a Alemanha nazista de Hitler).
A lista do autores e escritores é interminável, em cada lugar eles trabalham com as características culturais e têm em comum o uso do humor para tornar evidentes certas questões que com uma linguagem normal não podem ser ditas.
* Aluna do Curso de Cinema da UFSC