Nelson Rodrigues, gênio ou farsa? – Juliana Schiavo
NELSON RODRIGUES, GÊNIO OU FARSA?
Juliana Schiavo*
No ano do centenário de Nelson Rodrigues o que não falta são elogios e exaltações à sua genialidade. Podemos citar a Funarte, que abriu as portas do seu teatro por um mês todo em celebração ao dramaturgo, com o “Festival a Gosto de Nelson”, que contou com 17 montagens atuais de suas obras. Todas as peças apresentadas foram contempladas pelo Edital Prêmio Funarte Nelson Brasil Rodrigues.
Entretanto, Nelson não foi sempre tão popular. Sua obra passou a ser melhor aceita por uma maioria a partir de 1968 , foi nessa época que, para José Paulo Paes, “nossa esquerda arrependida resolveu admirar o Nelson Rodrigues em excesso, até pelo que não fez.”
Assim como para José Paulo Paes, o diretor, autor e crítico teatral Sérgio de Carvalho também compartilha da ideia de que Nelson é superestimado como autor. Diz ele que construiu-se uma imagem de um dramaturgo central no teatro brasileiro e essa imagem é falsa. Há outros nomes tão ou mais inspirados do que ele, como Jorge Andrade e Oswald de Andrade.
Se uma grande maioria superestima a obra de Nelson Rodrigues, há também que o repudie. Em uma edição da Veja de 1996, Paula Moreira Leite escreveu o artigo intitulado “Unanimidade Burra”. A referência à unanimidade burra está diretamente ligada à frase do autor “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.” No entanto, o artigo citado usa tal referência de maneira sarcástica e ataca a dramaturgia rodriguiana.
Para Paula, Nelson estava sendo endeusado. “Ele se transformou numa mania porque é fácil faturar com suas obras, descaradamente escandalosas, apelativas, simplistas. Seus personagens não têm nuance, são caricaturas que cabem na televisão, na interpretação pouco experiente de atores sem formação e desacostumados a lidar com complexidades. Seus enredos se alimentam da velha alquimia monetária que junta infelicidade, sexo e violência” diz ela.
Berta Waldman também não é grande fã de Nelson Rodrigues: “Apesar do mau gosto a ele inerente, trata-se de um gênero profícuo, capaz de proliferar suas formas até os dias de hoje. Vide as telenovelas, por exemplo.” Levando em conta o pensamento de Paula Moreira Leite, em 1996, de que o sucesso de Nelson Rodrigues marcava um momento de apatia e perda de vigor cultural, podemos dizer então que nossa cultura continua apática, visto que Nelson continua reinando.
Para José Paulo Paes, as obras do dramaturgo são como a pipoca que se consome durante o espetáculo. Pode até estar quentinha, salgada, mas todo mundo esquece quando acaba. A questão é que Nelson Rodrigues não está sendo esquecido, pelo contrário, a cada dia que passa ele ganha maior importância, como se num desejo íntimo de que seu nome se eternizasse assim como Shakespeare.
É natural do ser humano idealizar pessoas cujos pensamentos são de alguma forma exemplares, com o desejo de segui-las, mas Nelson, ao invés de bons exemplos, nos passa todo seu preconceito. Paula cita “Suas personagens são idênticas em suas aflições e temores do cotidiano. A única diferença é o negro, visto sempre como um estranho, diferente. Ou a mulher, em quem aponta “o apelo da prostituta eterna”. Nesse ambiente surgem joias racistas como “o único preto que gosta de ser preto” ou degradantes como “só os que batem são amados pelas mulheres”.
Podemos ainda citar, além do preconceito racial e da imagem da mulher como ser inferior, a ridicularização de seu próprio povo como em “Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância.” Ou, então, quando generaliza: “No Brasil quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.” São essas algumas coisas que fazem pensar se Nelson não é mesmo superestimado.
Em 1959, Sábato Magaldi, crítico teatral, também reconhecido por organizar a obra de Nelson, descobriu que “Senhora dos Afogados” não apenas se inspirou, mas parafraseou Mourning Becomes Electra, peça escrita por Eugene O’Neil. Diz ele, “é tudo idêntico do início ao fim, só na cena final inverte-se uma situação entre as personagens”. Nelson admitiu e disse que era função da crítica descobrir essas coisas.
Mais tarde Iná Camargo Costa, professora da USP, descobriu que “Anjo Negro” foi fortemente inspirada em outra peça de O’Neil, “Todos os filhos de Tem Asas”. A mesma professora também se convence que “Vestido de Noiva”, sua obra principal, foi inspiradíssima em “A desconhecida de Arras”, de Armand Salacrou, dramaturgo francês. A acusação tem fundamento e podemos notar que ambas as peças ocorrem em três planos: memória, realidade e alucinação, algo um tanto quanto peculiar, e visto que ambas as histórias tem o mesmo argumento, a acusação se sustenta.
Na sua coluna da Folha Ricardo Setti disse: “O dramaturgo Nelson Rodrigues inventou o teatro brasileiro em 1943, com a peça Vestido de Noiva.” Será então que é a isso que se resume o teatro brasileiro, uma cópia do teatro estrangeiro? Num mundo em que nada se cria, tudo se copia, nossos heróis literários serão então os que copiaram primeiro de um lugar distante e tiveram a sorte de demorar a ser percebidos? Ou será que Nelson iniciava na carreira de tradutor e por infelicidade esquecia os créditos?
Ele não está hoje aqui para responder a todas essas questões, mas como herança nos deixou 17 peças com catorze assassinatos e homicídios e seis suicídios. Há quem aprecie a morte como forma de beleza artística, nesse aspecto Rodrigues se sai bem, visto que, cometeu uma verdadeira matança em suas obras.
Apreciando ou não todo esse sangue, 2012 foi definitivamente o momento para se desfrutar de seu centenário ganhando um edital com uma peça montada sob encomenda. Caberia, então, questionar se o interesse e idolatria por Nelson são baseados em conhecimento da obra, pura unanimidade ou apenas comodismo.
* Atriz e aluna do curso de Artes Cênicas da UFSC