Nelson Rodrigues como ele é… — Telemakos Endler
NELSON ROBRIGUES COMO ELE É …
Telemakos Endler*
Segundo Alex Watson, pesquisador e tradutor americano, Nelson Rodrigues é
um dos autores mais geniais da literatura e da dramaturgia brasileira. Porém, sua única tradução comercial de “A vida como ela é…” (Life Like it is, em inglês), teve uma venda irrisória, literalmente.
Para ele, “O que afasta o público americano é a ausência do estilo do autor e de
suas expressões caraterísticas, que se perdem na tradução, e com eles parte do humor e do tempero da obra.”
O conto-crônica Imaginação de Nelson Rodrigues, publicada em 22/09/1959 no jornal “Última hora” na sua coluna “A Vida como ela é…”, e posteriormente no livro homônimo, conta a história de uma mulher frustrada com o seu casamento devido ao fato do seu marido estéril não transar com ela há mais de um mês. Além do marido sair de casa à 6 hs horas da manhã par trabalhar, nos seus três empregos, e voltar na primeira hora do dia, ele tem uma visão divergente da esposa sobre a finalidade do casamento. Para ele, o casamento tem o sentido de procriação e não o de fazer sexo. Logo, visto que ele é estéril, não faz sentido eles transarem.
A linguagem de Nelson está muito ligada ao subúrbio do Rio nos anos de 1950.
Logo, com essa especificidade de espaço e tempo, acaba sendo complicado não só transmitir isso para o inglês, como também ser compreensível pelos brasileiros que não vivenciaram esta época e espaço.
É indiscutível sua notoriedade pelo público carioca daquela época. Porém, além da evolução da linguagem e o desuso de certas gírias e expressões idiomáticas presentes no texto, houve também a mudança nos anseios da humanidade. Atualmente, as mulheres não estão mais reprimidas e submissas ao marido como naquela época. Sexo e casamento já são vistos com outros olhos pela sociedade.
Sábato Magaldi diz que, “Atualmente,” – isso em 1992 – “por meio de
traduções, teses e montagens bem-sucedidas, Nelson Rodrigues principia a receber o reconhecimento internacional.”
Mas seria mesmo, esta obra de Nelson Rodrigues atemporal e universal? Morin diz-nos que “as obras de arte universais são aquelas que detêm originalmente, ou que acumulam em si, possibilidades infinitas de projeção-identificação.” Por ser uma obra que retrata uma realidade e tempo muito específicos, acaba limitando as possibilidades de projeção-identificação.
No texto de Marcelo Coelho de cultura de massas sobre kitsh, trash, cult, naïf,
ele diz que “originalmente as esculturas gregas eram pintadas;” – pois visavam
provocar efeitos – “com o tempo é que suas cores esmaeceram, dando lugar ao branco do mármore que hoje as vemos.” Naquela época eram consideradas kitsch, de mau gosto. “Hoje em dia não temos dúvida de que uma estátua grega do período clássico é um exemplo de grande obra de arte.” – continuando depois que – “o que restou, e torna clássicas as esculturas, é justamente a “formatividade como fim em si mesma”, o que nelas convida a uma “contemplação desinteressada”, o que tem de “artístico”, acima de
mera provocação de efeitos. Consequentemente, “o problema não está em fazer uma arte que provoque efeitos, e sim em fazer uma arte que já os oferece prontos, pré-dirigidos, prefigurados; o kitsch não é kitsch porque provoca efeitos, mas porque imita os efeitos que a arte provoca.” E esse é outro problema da obra “A vida como ela é” de Nelson Rodrigues.
Não há dúvidas que Nelson Rodrigues é um monumento da dramaturgia
brasileira, porém, devemos tomar cuidado e não só duvidar das inscrições lapidares do passado, como duvidar da própria dúvida. “Somos a primeira ou segunda geração daqueles que experimentam o niilismo vivencialmente”, diz Vilém Flusser.
Segundo Robert Musil, “o ofício de grande parte dos monumentos comuns, é,
sem dúvida, o de invocar uma lembrança ou chamar a atenção, imprimindo aos sentimentos um rumo piedoso, na crença de que eles são de alguma forma necessários; e é nesse seu ofício principal que os monumentos vivem fracassando.” Cabe portanto a nós, críticos da “Idade pós-moderna”, duvidar, pois “tudo que é duradouro perde seu poder de impressionar.”
* Ator, aluno do curso de Artes Cênicas da UFSC.