Uma boa dose de “Oxigênio” – Márcio Cabral Silva
Uma boa dose de “Oxigênio”
Márcio Cabral Silva*
A palavra é o maior trunfo da peça teatral “Oxigênio”, dirigida por Marcio Abreu, conta a história de Sacha, camponês russo, casado, que se apaixona perdidamente por Sacha, jovem urbana, com mesmo nome, culminando no assassinato a pazadas da mulher do camponês, pelo próprio. O texto é de autoria de Ivan Viripaev, já descoberto na Europa e reverenciado como um grande dramaturgo russo.
Na peça “Oxigênio” vemos fortemente a influencia de Eugéne Ionesco e seu “Teatro Insólito”, não apenas no texto, com a repetição dos nomes e repetição de trechos do próprio texto em si, além da verborragia da palavra em situações aparentemente banais, que transbordam a insignificância da existência do homem, como também na direção. Ionesco propõe que: “para um texto burlesco, uma interpretação dramática; para um texto dramático, uma interpretação burlesca”, o que fica evidente na encenação, explicita na cena em que os atores desfilam numa passarela, aparentemente incompreensível, sem se tornar completamente absurdo.
A peça é composta de pequenos atos, que são chamados de movimentos, fazendo alusão aos dez mandamentos cristãos, o que reforça o pensamento do autor, sua história, seu universo, enfim a tirania da autoria:
“…a explicação da obra é sempre buscada do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só pessoa, o autor, a revelar a sua “confidencia”.”(BARTHES, 2004,p. 58).
A contemporaneidade se dá com as musicas de cadência marcada e tom forte, o rock aparece não só na trilha, mas também nas falas dos atores, desde o inicio, o tom das falas começa bem alto, e é muito bem conduzido até o final, sem deixar que esmoreça durante as quase duas horas de apresentação. O posicionamento e gestual dos atores são limpos e muito bem dirigidos, tornando os signos fáceis de serem absorvidos pelo publico.
Em certo momento a trama principal é solucionada, e se entrelaça com a dos atores, como propõe Brecht há um distanciamento das personagens, e é proposto um questionamento politico e intelectual ao próprio publico, o que é essencial pra você? O que é oxigênio pra você?
A iluminação é muito bem colocada, e seus recursos bem aproveitados, num cenário simples, com referencia ao metateatro, é um palco dentro de outro, e também há a quebra do palco italiano ao colocar os atores junto à plateia em certos momentos. A grande surpresa é o recurso cenográfico da última cena, ao subir a rampa do pequeno palco, vemos o campo russo e a plantação de absintos, neste ponto tudo passa a fazer sentido, todos os movimentos se juntam e perdemos a noção de quem era ator e personagem, estabelecendo uma nova linguagem, com o publico refletido no palco.
A peça “Oxigênio” é uma boa dose de oxigênio pra quem gosta de teatro, dramático ou pós-dramático, onde o ator e a palavra são o “mot” principal, agrada aos olhos pela plasticidade, os ouvidos pela palavra, de maneira simples conduz o publico aos questionamentos e ao mesmo tempo conta sua história, diz ao que veio, e enobrece a figura do autor e do texto, cumpri seu papel com maestria.
* Aluno do curso de artes cênicas da UFSC.