Um olhar sobre “Um Artista da Fome” – Giovana Beatriz Manrique Ursini

 Um olhar sobre “Um Artista da Fome”

Giovana Beatriz Manrique Ursini *

“Porque eu não pude encontrar o alimento que me agrada .Se eu o tivesse encontrado,pode acreditar não teria feito nenhum alarde e me empanturrado como você e todo mundo “, Franz Kafka.

 Através dessa citação Franz Kafka parece revelar o “famoso” segredo artístico do artista da fome. Todavia, ao lermos o conto “Um Artista da Fome” é possível dizer que nem o criador da obra de arte nem o seu público conseguem entender o verdadeiro significado do jejuar proposto. Tudo parece um grande show sem nenhum propósito relevante. Por isso, esse texto pode ser visto como uma análise dos movimentos artísticos do tempo de Kafka. Pois, a produção cultural da época era pequena e poucos eram aqueles que conseguiam entender sobre arte. E também por analogia, o autor parece ter criado um anacronismo da arte da performance que apenas foi desenvolvida algumas décadas após o conto ter sido escrito. Contudo, apesar de apresentar uma excelente fonte para estudos, esse texto não deve ser visto apenas didaticamente, pois isso poderia transformar sua crítica um pouco vaga.

Então, esse conto também deve ser compreendido artisticamente pela sua grande qualidade literária e por seus elementos muito bem utilizados. Isso deve ser respeitado apesar do autor Franz Kafka não ter demonstrado muita admiração pela sua própria arte.

O conto começa com a narração dos tempos áureos da arte do artista da fome. Durante o tempo descrido, era muito grande o público de suas apresentações e o artista precisava até de um empresário para controlar seu trabalho. Mesmo com tanto sucesso, ele ficava angustiado por ser obrigado a acabar com seus jejuns que não poderiam durar mais de 40 dias. Por resultado, ele considerava sua obra incompleta. Através de o trecho a seguir é possível perceber o sentimento do artista em relação a sua arte:

“(…) A orquestra reforçava tudo com uma grande fanfarra, as pessoas se dispersavam e ninguém tinha o direito de ficar insatisfeito com o acontecimento. Ninguém a não ser o artista da fome. Só ele, sempre.”

 O mais interessante dessa análise é que possivelmente Kafka criou esse personagem para poder através dele tentar mostrar sua opinião em relação a sua própria arte. Talvez ele o tenha criado como um alter-ego Essa conclusão talvez possa ser válida porque o autor no seu leito de morte pediu ao seu amigo Max Brod que incinerasse grande parte de sua obra.

Outro elemento bem interessante desse conto é que ele de certa forma faz uma análise da arte da época em que foi escrito. Primeiro, ao descrever as apresentações do artista da fome, mostrando a reação do público. Segundo, ao apresentar o artista quase como uma homem de negócios que precisa de outra pessoa, no caso um empresário, para administrar seu trabalho. Por resultado, o autor provavelmente tentou criticar a arte que é comercializada. Para exemplificar tomemos um trecho do texto :

“A experiêcia mostrava que durante quarenta dias era possível espiaçar o interesse de uma cidade através de uma propaganda ativada gradativamente,mas depois disso o público falhava e se podia verificar uma redução substancial da assistência.(..)”

 E também, é possível relatar a diferença entre o público que assiste as primeiras apresentações que aparentemente tenta entender a arte de jejuar e as pessoas que visitam o circo que não apresentam interesse nessa arte.

Concluindo, Kafka possivelmente queria mostrar a diferença mesmo que indiretamente, entre a cultura popular e a cultura denominada erudita.
Para acrescentar, é possível citar um fato curioso sobre esse conto que foi escrito em 1922, mas parece apresentar descrições de performances no seu texto. Contudo, essa analogia possivelmente só é realizada por quem conhece um pouco do conceito de arte da performance e consegue identificar alguns elementos dessa arte nas apresentações do artista da fome. Aliás, o artista parece se enquadrar no papel de performer que aceita os riscos do que faz e possivelmente levaria arte até o fim de seus limites. Porque para ele “jejuar significa vida e morte” . Por consequência, pode-se dizer que existe um anacronismo da arte da performance nesse conto. Para ilustrar é possível utilizar uma citação de Regina Melim:

“Nas artes visuais,sempre que ouvimos a palavra “performance”,é comum nos remetermos de imediato áutilização do corpo como parte constitutiva da obra (…).Muitas vezes,também somos levados a pensar em um único formato,baseado no artista em uma ação vivo,visto por um público ,num tempo e espaços específicos.”

Se pensarmos no conto, vários elementos que foram citados são possivelmente identificados nas apresentações do artista da fome. Porém, toda essa análise pode ser vista como uma nova leitura do texto. Pois é bem improvável que Kafka conhecia sobre esse movimento artístico na sua época. Até porque o autor morreu décadas antes da difusão dessa forma artística.

Por conclusão, esse texto de Franz Kafka além de apresentar um excelente estudo sobre arte, tanto contemporânea quanto a arte da época do autor. Ele também pode ser visto e denominado como uma obra de arte. Por que foi bem escrito e utilizou bem seus elementos para demonstrar o que o autor sentia através do que foi escrito. Ou seja, uma alter ego foi criado. Mesmo assim, é bem provável que no final das contas nem Kafka e nem o artista da fome conseguiram total satisfação nas obras que realizavam. Então é possível dizer que continuaram sem saciar a fome deles. Mas os leitores provavelmente irão se “deliciar” ao “saborearem” a arte desse conto que foi escrito há quase um século, mas mantém um caráter bem contemporâneo. Para finalizar uma frase do próprio Kafka sobre a arte:

“A arte voa em torno da verdade,mas com a decidida intenção de não se destruir. Sua capacidade consite em achar um lugar no vazio escuro,onde o feixe de luz possa ser captado vigorosamente,sem que se possa reconhecer isso antes.”
* Aluna do curso de artes cênicas da UFSC.