O poeta Ivan Goll e a tradução do Ulisses, de James Joyce, à língua alemã – Maria Aparecida Barbosa
O poeta Ivan Goll e a tradução do Ulisses, de James Joyce, à língua alemã
Maria Aparecida Barbosa[1]
Quando se mudou para a Suíça, a fim de burlar o serviço militar na Alemanha de Wilhelm II, que acabara de entrar na recém-deflagrada Primeira Guerra Mundial, o poeta Ivan Goll participa de um grupo internacional de escritores pacifistas, entre os quais se encontravam Stefan Zweig, Romain Rolland e James Joyce. Com Joyce entabula amizade duradoura, até a morte do irlandês em 1941.
Goll se revela um leitor sensível à literatura universal e inovadora. Para o romance Ulisses, por exemplo, livro que Joyce escreve entre 1914 e 1921 e publica na Paris de 1922, ele reivindica um lugar de destaque dentro da literatura europeia. Vê com bons olhos a divulgação dessa obra em língua alemã, o que seria fundamental para calar definitivamente discussões entre estilos irrelevantes e querelas atinentes ao Expressionismo.[2]
De fato, o Ulisses é traduzido por Georg Goyert e publicado em 1927. No combativo jornal Die Weltbühne, o jornalista Kurt Tucholski (sob o pseudônimo Peter Panter) se pronuncia com ceticismo sobre o trabalho do autor e do tradutor: “Quando 1585 páginas despencam de uma hora para outra, então é preciso antes de tudo fazer respeitoso silêncio. Nada de maravilhoso ou assombroso.”[3]
Ao ver questionado tanto o valor da obra de Joyce como da respectiva tradução ao alemão, Goll volta a se pronunciar a respeito do assunto, dessa vez com uma réplica no periódico de Tucholski. Referindo-se à leitura superficial e ao precipitado julgamento do jornalista e poeta (“justo ele, um malabarista das palavras”), lamenta que o leitor e o crítico de seu tempo tenham livros triviais como parâmetro de leitura, o que chama de “livros presenteados no Natal”. Com bons olhos, prevê que o leitor do futuro se debruçará sobre complexas obras da literatura mundial, semelhantes ao modelo joyceano, a fim de estudá-las. Pois o Ulisses exigiria decifração semelhante à Cabala, mesmo sendo divertido como Rabelais e hermético feito um tratado jesuítico.
[…] é preciso lê-lo, para libertar a alma. O Ulisses não é comparável a outra obra da literatura mundial: é único e original. Essa prosa é a linguagem e o ritmo da poesia vindoura. Uma arquitetura lógica e geométrica, suas transgressões não fogem à regra métrica e rítmica, mas sim às marcas intrínsecas da palavra e da gramática. […] construído com as pedras da lógica, mas iluminado sob a luz da poesia.[4]
Quando Joyce morre em 1941, Goll lhe rende a homenagem póstuma, evocando uma lembrança do aniversário de 1939 do poeta irlandês. Embora adoentado, conta Goll, Joyce estava alegre como um menino por ter recebido de presente do editor o Finnegans Wake impresso.[5]
[1] O texto é um excerto do artigo BARBOSA, Maria Aparecida. “Les Cinq Continents, a antologia de Goll – apelo (po)ético cosmopolita”. In: Alea vol.13 no.2 Rio de Janeiro July/Dec. 2011.
[2] GOLL, Ivan. “Homer unserer Zeit – über James Joyce” (Homero de nosso tempo – sobre James Joyce). In: Die Literarische Welt, 3º, ano 24, 1927: 1-2.
[3] Tucholski, Kurt. “Ulisses”. In: Die Weltbühne, 47, 1927: 788. Disponível on-line em 28/11/2011: http://www.textlog.de/tucholsky-ulysses-joyce.html
[4] GOLL. “Ulisses: sub specie aeternitatis”. In: Die Weltbühne, 52, 1927: 960. Disponível on-line em 28/11/2011: http://www.archive.org/stream/DieWeltbhne2321927#page/n971/mode/thumb
[5] GOLL, Ivan. “Odysseus Joyce”.
In: Aufbau – das jüdische Monatsmagazin, n. 3, 1941: 5.