Gaston Bachelard (1884-1962): « Toute nouvelle vérité naît malgré l’évidence» – Aurora Bernardini
Gaston Bachelard (1884-1962)
« Toute nouvelle vérité naît malgré l’évidence»
Aurora Bernardini*
O recente livro sobre Gaston Bachelard , Gaston Bachelard, mestre na arte de pensar criar viver, queCatarina Sant’Anna organizou para a Edufba, tem o grande mérito, a par do interesse que suscitam os 18 ensaios de especialistas que reúne , de provocar no leitor o efeito mais desejável: a curiosidade e a vontade de ler as obras do mestre que, conforme se sabe, foi físico, químico, matemático, pedagogo, filósofo da ciência e da poesia.
Iremos sintetizar aqui, dos dezoito ensaios que abordam os aspectos mais variados, o que mais de perto se refere à obra do próprio Bachelard (isso, a título didático e em homenagem a ele, visto ser a didática a atividade que ele considerava imprescindível, tanto nas suas preleções quanto nos seus escritos.)
Ao mesmo tempo em que Bachelard concede à razão ser o polo do espírito que domina a reflexão, o conceito, a emancipação do imediato, a objetivização e a universalização, ele insiste quanto à importância do segundo polo, a imaginação (o imaginário), responsável pela simbolização, metaforização , portadora da energia moral e relacionada ao inconsciente profundo enquanto matriz imagética. Conclusão primeira, portanto: o científico e o poético têm de andar juntos.
Particular atenção é dada por Bachelard ao devaneio, o lugar da linguagem sem censura, que permite à vida cotidiana incorporar uma vida ideal num exercício transformador, provedor de imagens novas que refletem o dinamismo do cosmo.
O cogito cartesiano é equiparado , por B., à consciência imediata das representações que se forma em cada um de nós, a não ser confundido com o “ senso comum” ao qual o cogito não pode ater-se, mas deve superá-lo e às vezes – como cabe ao espírito científico – até contradizê-lo. Pensar, conforme diz Hanna Arendt, é falar a si mesmo, é um diálogo consigo próprio, com a alteridade que está em nós, o que está próximo do diálogo que Bachelard ampliou entre animus e anima. Já o inconsciente, movido pelo desejo e pelas pulsões dos instintos ( Freud, Ricoeur) se relaciona com a consciência, conforme foi dito, por ser o reservatório de imagens recalcadas ou virtuais que, conforme é sabido, emergem através do sonho ( entre outros, sabemos hoje.)
Quanto à inteligência, ela deve seu equilíbrio ao que Bachelard (na esteira de Lúcio Pinheiro dos Santos, filósofo português exilado no Brasil em 1927 – leia-se o interessante ensaio a respeito à p.81) chamou ritmanálise, uma nova teoria do ritmo, cujos originais – inclusive os de Pinheiro dos Santos — espera-se ainda estejam nos arquivos do mestre.
O método de Bachelard é fenomenológico: consiste em captar a imagem em sua objetivização e na identificação consequente do sujeito com o objeto-imagem, o que facilita a compreensão. A relação imagem/fruidor é imediata e ela se dá através da ressonância e da repercussão, procedimentos detalhados (p.131) que lembram o fenômeno da contaminação proposto por Lev Tolstói em O que é a Arte? Retomando Schopenhauer (p.194), diz Bachelard: O conhecimento normal do cérebro é unicamente comunicável por palavras e conceitos quando éle é abstrato, e por obras artísticas quando ele é intuitivo.
Importante, no método de B. é ir além do visível, levar em conta os sentimentos que a imagem provoca no sujeito, apropriar-se da experiência individual para a descrição objetiva da imagem, levar em conta a verdade subjetiva da própria imagem ( p. 133). A metodologia bachelardiana implica 1) metamorfose e renascimento, renovação incessante , função – esta — da mutabilidade dos conceitos; 2) sensação de euforia, decorrente da busca da vida criadora; 3) invenção como transcendência contínua do já dado ( destino espiritual do homem + abertura ao imaginário: sonho e poesia).
A palavra poética consolida transcendências. É um centro irradiador, em que admirar torna-se o substituto de crer.
Dentro dos limites do sonho – leia-se o ensaio sobre a relação entre o pintor Yves Klein e Bachelard ( p.151 etc.) – é estudada particularmente a cor ( no caso, o azul), que exige um suporte para encarnar sua materialidade, sua dramaticidade.
Passando agora para a Filosofia da Ciência diz Bachelard: Os hábitos da ciência aristotélica estão tão enraizados que não sabemos trabalhar nessa penumbra conceitual que reúne ondas e corpúsculos.É – no entanto – nessa penumbra que os conceitos se difractam, que se deformam…(p.258). E mais uma série de derrogações da lógica aristotélica que B. chamou de “ Filosofia do não”: A física dos campos admite a sobreposição de fenômenos – dois objetos que ocupam o mesmo lugar. O objeto não é idêntico a si mesmo. Aquilo que é devém; o objeto é aquilo que será.
Finalmente, para exemplificar a atualidade de muitas de suas considerações, mesmo neste campo, leia-se o que ele diz sobre o tempo
Nossa consciência lança uma trama sobre a tela dos instantes, para dar a impressão de continuidade e rapidez do devir.
O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas. (p.260 , etc.)
comparando-o com o que escreveu Einstein à irmã do amigo Michele Besso, recém-falecido: Michele partiu deste estranho mundo, um pouco antes de mim. Isso não significa nada. As pessoas como nós, que creem na física, sabem que a distinção entre passado, presente e futuro não é mais que uma persistente e obstinada ilusão.( Citado apud Sete breves lições de física de Carlo Rovelli – Objetiva,2015 – onde o autor explica que – de acordo com os estudos mais recentes — o fluir do tempo emerge no âmbito da estatística e da termodinâmica, no estreito vínculo que há entre tempo e calor).
Referências bibliográficas
- BACHELARD, Gaston. Conhecimento comum e conhecimento científico. In: Tempo Brasileiro São Paulo, n. 28, p. 47-56, jan-mar 1972.
- ______. O racionalismo aplicado. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
- ______. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
- ______. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
- ______. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1996a.
- ______. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
- JAPIASSÚ, Hilton. Para ler Bachelard. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. (Série Para ler).
Obras
português
- ______. ‘‘A água e os Sonhos’’. Martins Fontes, 2009.
- ______. ‘‘A Epistemologia’’. Edições 70, 1971
- ______. ‘‘A Experiência do Espaço na Física Contemporânea’’. Contraponto, 2010
- ______. ‘‘A Filosofia do Não & Outros Textos’’. Abril, 1973
- ______. ‘‘A Formação do Espírito Científico’’. Contraponto, 2002
- ______. ‘‘Ensaio Sobre Conhecimento aproximado’’. Contraponto,
- ______. ‘‘Filosofia do Novo Espírito Cientifico’’. Presença, 1976.
- ______. ‘‘O Direito de Sonhar’’. Difel, 1985.
- ______. ‘‘O Homem Perante a Ciência’’. Europa America, 1967
- ______. ‘‘A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento’’. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
- ______. ‘‘O novo espírito científico’’. Lisboa: Edições 70, 1996a.
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- ______. ‘‘Os Pensadores’’. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
- ______. ‘‘A Filosofia do Não o Novo Espírito Científico a Poética do Espaço’’. Abril Cultural, 1978
- ______. ‘‘A Psicanálise do Fogo’’. Martins Fontes 2008.
- ______. ‘‘A Terra e os Devaneios da Vontade’’. Martins Fontes 1991.
- ______. ‘‘Estudos’’. Contraponto, 2007
- ______. ‘‘Novo Espírito Científico’’, Ed 70, 1996
- ______. ‘‘O Materialismo Racional’’. Edições 70, 1990
- ______. ‘‘O Pluralismo Coerente da Química Moderna’’. Contraponto 2009.
Filosofia da criação artística
- ______. ‘‘A Psicanálise do Fogo’’. Martins Fontes 2008.
- ______. ‘‘A Água e os Sonhos Ensaio Sobre a Imaginação da Matéria’’. Martins Fontes, 1998
- ______. ‘‘O Ar e os Sonhos’’. Martins Fontes, 2009
- ______. ‘‘A Terra e os Devaneios da Vontade’’. Martins Fontes 1991.
- ______. “A Poética do Espaço“. Martins Fontes 2000.
- ______. ‘‘A Poética do Devaneio’’. Martins Fontes, 1998
- ______. ‘‘A Chama de uma Vela’’. Bertrand Brasil
em francês
Filosofia da ciência
- Essai sur la connaissance approchée (1928)
- Étude sur l’evolution d’un problème de physique (1928)
- La valeur inductive de la relativité (1929)
- Le pluralisme cohérent de la chimie moderne (1932)
- Le nouvel esprit scientifique (1934)
- L’expérience de l’espace dans la physique contemporaine (1937)
- La philosophie du non (1940)
- Le rationnalisme appliqué (1949)
- L’Activité rationnaliste de la physique contemporaine
- Le matérialisme rationnel (1953)
Filosofia da criação artística
- La psycahnalyse du feu (1937)
- Lautréamont
- L’Eau et les rêves (1942)
- L’Air et les songes. (1943)
- La terre et les rêveries de la volonté. (1948)
- Paysages. Études pour quinze burins d’Albert Flocon. (1950)
- La poétique de l’espace (1957).
- La poétique de l’a rêverie (1961).
- La flamme d’une chandelle (1961)
Outros
- L’Intuition de l’instant (1932)
- Les intuitions atomistiques (1935)
- La dialectique de la durée (1936)
- La formation de L’esprit scientifique (1938)
Livros sobre Gaston Bachelard
- O Racionalismo da Ciência Contemporânea – uma análise da epistemologia de Gaston Bachelard, Marly Bulcão, editora UEL, 1999.
- Bachelard, pedagogia da razão, pedagogia da imaginação, Elyana Barbosa e Marly Bulcão, Editora Vozes, 2004.
- Bachelard, razão e imaginação, Marly Bulcão (Organizadora), Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia/Universidade Estadual de Feira de Santana – BA, 2005.
- Para ler Gaston Bachelard, ciência e arte, Catarina Sant’Anna (organizadora) Edufba -BA,2010
- Gaston Bachelard,mestre na arte de pensar criar viver, Catarina Sant’Anna (organizadora) Edufba – BA,2016
- Bachelard : un regard brésilien, Marly Bulcão, L´Harmattan, França, 2007.
- Gaston Bachelard ou le rêve des origines, Jean-Luc Pouliquen, L´Harmattan, França, 2007.
* Professora da USP.