CARIDADE (monólogo) – Jacinto Benavente – Tradução: Rodrigo Conçole Lage
CARIDADE (monólogo)
Jacinto Benavente
Tradução: Rodrigo Conçole Lage
Senhoras e senhores:
Eu não sei se nós as mulheres serviríamos para a política; eu não sei se governaríamos melhor que os homens. Nada se perderia por testar. Depois de tudo, ocorreria como com o chocolate[1] do conto: mais barato poderia ser; pior, impossível. O que eu sei é que há uma pasta ministerial em que nenhum homem nos levaria vantagem: a da Fazenda. Em que consiste a maior habilidade de um fazendista[2]? Em retirar dinheiro de todas as partes. Mas que habilidade é essa, contando com o agente de pressão e com a Guarda civil? Isso é como quando nós, para obrigar nosso senhor marido a que contribua com maior quantidade aos nossos gastos, chamamos em nosso auxilio a todo o elemento feminino da família: cunhadas, sogras, tias… Dez ou doze mulheres tratando de fazer entender a um homem que um vestido não pode custar menos de duas mil pesetas, e um chapéu menos de duzentas. Mas que graça tem tirar a um ninguém três ou quatro bilhetes por esses meios coercitivos? Não; a suprema habilidade não é a de retirar o dinheiro, mas sim a de retirá-lo sem sentir. E nisto qualquer ministro de Fazenda é, comparado a nós, como um trocador de mola[3] de carruagem[4] ao lado de um dentista americano. Os homens fazem grandes e generosos empreendimentos. Mas quando se trata de realizá-los, quando se chega a dificuldade, de onde se tira o dinheiro? Ah! Então eles, que em casa se opõem tantas vezes, a classe dos maridos, a plena expansão de nossas habilidades financeiras, vem a nós para que sejamos os poderosos auxiliares de suas grandes ideias. «É preciso iniciar uma subscrição! É preciso organizar um benefício!» E unidas nós vamos tirar sem dor o dinheiro que há de aliviar tantas dores… E ainda há quem nos censure por isto que chamam caridade mundana!… Que digo? Há quem renega até mesmo da caridade! Dizem que a caridade está chamada a desaparecer quando no mundo reinar a justiça, e da justiça tenha o homem tudo o que agora há de pedir e hão de conceder-lhe por compaixão. É possível; mas eu acredito que quando a justiça reinar sobre a terra, ainda haverá espaço para o amor. Quando todas as criaturas tiverem pão, que será o justo, ainda poderemos dar beijos, que mal podem se pedir por justiça. Que triste secura a de um mundo, ordenado todo segundo a justiça, que não consentisse ao nosso coração essas doces debilidades, talvez mais santas quanto mais injustas…, que são a caridade, a compaixão e o amor! Tanto se tem pregado a igualdade, que seria muito conveniente pregar outro tanto a desigualdade, para convencer aos homens de que nos devemos amar por isso mesmo, porque não somos todos iguais… Porque a força necessita da inteligência, e a inteligência do coração, e o enfermo do são, e o menino do homem, e o jovem do velho…, e todas nós: mães, irmãs, esposas… Iguais são as feras…, por isso vivem solitárias… Um leão para que necessita de outro leão? Igual é sua pujança, igual é sua ferocidade, iguais seus instintos e suas necessidades. Encontram-se e lutam encarniçados, porque para nada necessita um do outro. Mas e os homens? Quem há entre eles tão forte, tão pujante, tão alto, que possa dizer: de nenhum homem necessito? Que lhe serve ser o único rico entre pobres, o único sábio entre ignorantes? Como fera é o homem que pretende só para ele aproveitar-se de sua força, de sua riqueza, de seu entendimento. Tudo é de todos, e cada um há de viver para outro. E só será esse dia de justiça no mundo, quando a Justiça quebrar sua espada e levantar em vez dela um feixe de flores, e seu nome mesmo de justiça se esqueça para chamar-se amor… Contudo chegando esse dia, por que censurar nossa caridade mundana? Não é culpa sua se ao chamar aos mais nobres sentimentos do coração, é algumas vezes a vaidade quem responde para oferecer a dádiva… «Deus reconhecerá aos seus», como disse o fanático. Já é alguma coisa que as imperfeições façam oficio de perfeição, e que a caridade nos antecipe o dia da justiça. Perdoai, belas damas, minha severidade. Eu houvera querido alegrá-las com chistes de bom tom; mas eu sei que hoje não viestes ao teatro para exibir vossa beleza nem vossas galas[5], nem nós os artistas viemos para exibir nossa arte, nem os autores para se vangloriar de talento. É uma festa de amor esta, e não soa bem o riso quando os irmãos em quem pensastes ao celebrá-la são pobres enfermos. Neles si assentará bem a alegria da gratidão; em nós, a nobre satisfação. Agora eu me atreveria a propor, em vossos desejos de angariar recursos pelos meios mais doces para vossa louvável empresa, já que os homens, por crer que nós o agradecemos, não deixam sua mania de nos elogiar pelas ruas, que a todo o que nos chame uma flor lhe peçamos um donativo. Se for um homem galante e a flor era expressão de um verdadeiro sentimento, acederá com gosto; si é um mal educado e nos responde com uma grosseria, chamaremos a um guarda, se lhe exigirá uma multa, e que essa multa se aplique às nossas obras de caridade, já que nós temos que suportar essas impertinências, que, na verdade, não desagradam de todo, nós, as mulheres bonitas. E essa será outra base de receitas: que as feias, por amor próprio, pagarão de seu bolso para fazer crer que a elas também lhes dizem elogios. Além disso, minhas senhoras, as mulheres são tão caprichosas…, o vestido, a jóia, o brinquedo caro… Que remédio! Também a indústria e o comércio têm de viver. Mas o que nos custa, cada vez que pagamos um desses caros caprichos, impor-nos a nós mesmas um imposto voluntario de caridade? Sem contar com que com um pouco de astúcia, no bom sentido da palavra, pode obter-se do comerciante esse desconto: «É para meus pobres!», lhe diremos. Estas palavras, acompanhadas de um sorriso ou de uma carinha triste, o que vá melhor a nossa fisionomia, produzirá seu efeito seguramente. E o comerciante fará o desconto. E até teremos um pretexto para comprar mais coisas, tenho dito. Saúdo a todos, damas e cavalheiros.
CARIDAD
(monólogo)
Jacinto Benavente
Señoras y señores:
Yo no sé si las mujeres serviríamos para la política; yo no sé si gobernaríamos mejor que los hombres. Nada se perdería con probar. Después de todo, sucedería como con el chocolate del cuento: más barato podría ser; peor, imposible. Lo que yo sé es que hay una cartera en que ningún hombre nos llevaría ventaja: la de Hacienda. ¿En qué consiste la mayor habilidad de un hacendista? En sacar dinero de todas partes. ¿Pero qué habilidad es ésa, contando con el agente de apremio y con la Guardia civil? Eso es como cuando nosotras, para obligar a nuestro señor marido a que contribuya con mayor cantidad a nuestros gastos, llamamos en nuestro auxilio a todo el elemento femenino de la familia: cuñadas, suegras, tías… Diez o doce mujeres tratando de hacer entender a un hombre que un vestido no puede costar menos de dos mil pesetas, y un sombrero menos de doscientas. ¿Pero qué gracia tiene extirparle a nadie tres o cuatro billetes por esos medios coercitivos? No; la suprema habilidad no es la de sacar el dinero, sino la de sacarlo sin sentir. Y en esto cualquier ministro de Hacienda es, comparado con nosotras, como un sacamuelas de carricoche al lado de un dentista americano. Los hombres acometen grandes y generosas empresas. Pero cuando se trata de realizarlas, cuando se llega a la dificultad, ¿de dónde se saca el dinero? ¡Ah! Entonces ellos, que en casa se oponen tantas veces, en clase de maridos, a la plena expansión de nuestras habilidades financieras, acuden a nosotras para que seamos los poderosos auxiliares de sus grandes ideas. «¡Hay que iniciar una subscripción! ¡Hay que organizar un beneficio!» Y aliá vamos nosotras a sacar sin dolor el dinero que ha de aliviar tantos dolores… ¡Y aun hay quien nos censura por esto que llaman caridad mundana!… ¿Qué digo? ¡Hay quien reniega hasta de la caridad! Dicen que la caridad está llamada a desaparecer cuando en el mundo reine la justicia, y de justicia tenga el hombre todo lo que ahora ha de pedir y han de concederle por compasión. Es posible; pero yo creo que cuando la justicia reine sobre la tierra, aun quedará margen para el amor. Cuando todas las criaturas tengan pan, que será lo justo, aun podremos dar besos, que mal pueden pedirse por justicia. ¡Qué triste sequedad la de un mundo, ordenado todo según justicia, que no consintiera a nuestro corazón esas dulces debilidades, talvez más santas cuanto más injustas…, que son la caridad, la compasión y el amor! Tanto se ha predicado la igualdad, que sería muy conveniente predicar otro tanto la desigualdad, para convencer a los hombres de que nos debemos amar por eso mismo, porque no somos todos iguales… Porque la fuerza necesita de la inteligencia, y la inteligencia del corazón, y el enfermo del sano, y el niño del hombre, y el joven del viejo…, y todos de nosotras: madres, hermanas, esposas… Iguales son las fieras…, por eso viven solitarias… ¿Un león para qué necesita de otro león? Igual es su pujanza, igual es su fiereza, iguales sus instintos y sus necesidades. Se encuentran y luchan encarnizados, porque para nada necesita el uno del otro. ¿Pero y los hombres? ¿Quién hay entre ellos tan fuerte, tan pujante, tan alto, que pueda decir: de ningún hombre necesito? ¿Qué le sirve ser el único rico entre pobres, el único sabio entre ignorantes? Como fiera es el hombre que pretende sólo para él aprovecharse de su fuerza, de su riqueza, de su entendimiento. Todo es de todos, y cada uno ha de vivir para otro. Y solo será ese día de justicia en el mundo, cuando la Justicia quiebre su espada y levante en vez de ella un haz de flores, y su nombre mismo de justicia se olvide para llamarse amor… Entretanto llega ese día, ¿por qué censurar nuestra caridad mundana? No es culpa suya si al llamar a los más nobles sentimientos del corazón, es alguna vez la vanidad quien responde para ofrecer la dádiva… «Dios reconocerá a los suyos», como dijo el fanático. Ya es algo que las imperfecciones hagan oficio de perfección, y que la caridad nosanticipe el día de la justicia. Perdonad, bellas damas, mi severidad. Yo hubiera querido alegraros con donaires de buen tono; pero yo sé que hoy no vinisteis al teatro por lucir vuestra belleza ni vuestras galas, ni los artistas acudimos por lucir nuestro arte, ni los autores por alardear de ingenio. Es fiesta de amor ésta, y no dice bien la risa cuando los hermanos en quien pensasteis al celebrarla son pobres enfermos. En ellos sí sentará bien la alegría de la gratitud; em nosotras, la noble satisfacción. Ahora yo me atreveria a proponeros, en vuestros deseos de allegar recursos por los medios más dulces para vuestra laudable empresa, ya que los hombres, por creer que nosotras lo agradecemos, no dejan su manía de piropearnos por las calles, que a todo el que nos diga una flor le pidamos un donativo. Si es hombre galante y la flor era expresión de un verdadero sentimiento, accederá gustoso; si es un incivil y nos responde una grosería, llamaremos a un guardia, se le exigirá una multa, y que esa multa se aplique a nuestras obras de caridad, ya que nosotras tenemos que soportar esas impertinencias, que, la verdad, no nos desagradan del todo a las mujeres bonitas. Y ésa será otra base de ingresos: que las feas, por amor propio, pagarán de su bolsillo para hacer creer que a ellas también les dicen piropos. Además, señoras mías, las mujeres somos tan caprichosas…, el vestido, la joya, el juguete costoso… ¡Qué remedio! También la industria y el comercio han de vivir. ¿Pero qué nos cuesta, cada vez que pagamos uno de esos caros caprichos, imponernos a nosotras mismas un impuesto voluntario de caridad? Sin contar con que con un poco de trastienda, en el buen sentido de la palabra, puede obtenerse del comerciante esa rebaja: «¡Es para mis pobres!», le diremos. Estas palabras, acompañadas de una sonrisa o de una carita triste, lo que vaya mejor a nuestra fisonomía, producirá su efecto seguramente. Y el comerciante hará la rebaja. Y hasta tendremos un pretexto para comprar más cosas. He dicho. Saludo a todos, damas y caballeros.
[1] Não foi possível identificar a que conto se refere.
[2] Pessoa versada em assuntos de fazenda pública.
[3] Sacamuelas em espanhol tem o sentido de moleiro (mecânico responsável por montar e desmontar feixes de molas), mas também é um termo depreciativo para dentista.
[4] Carrichoche pode ser traduzido também como carrinho de bebê ou carro velho ou deteriorado.
[5] Gala: sf. (fr. gale) 1- Traje ou vestido próprio para as ocasiões solenes ou dias festivos. 2- Enfeites preciosos, ornamentos ricos