DAS ARTES SONORAS À MÚSICA DE RUA – Entrevista com Livio Tragtenberg

DAS ARTES SONORAS À MÚSICA DE RUA: Entrevista com Livio Tragtenberg

 

Livio Tragtenberg, nascido em 1961, em São Paulo, é um instigante compositor experimental, performer, escritor, professor, ativista cultural… Escreveu música para teatro, vídeo, cinema, dança e instalações sonoras. Nesta entrevista, ele nos fala um pouco sobre a sua concepção musical e a sua obra. Também discorre sobre a escola de música ideal (a escola de artes sonoras) e comenta a sua parceria com músicos de rua, no Brasil, nos EUA e na Europa.

Livio Tragtenberg

Livio Tragtenberg

Q.: O que é som e o que é música para você?

R.: O som é sobretudo vibração no espaço. Vejam as tais das ondas gravitacionais que estão sendo exploradas na física especulativa. Através da vibração da onda sonora se buscam elementos que possam nos informar sobre a criação do universo. Música é o cinema do som, na belíssima definição de Gilberto Mendes.

 

Q.: Há vários anos você ensina música. No que consiste as suas aulas?

R.: Procuro expor ao aluno as diferentes formas de se pensar a música e suas relações com as demais artes e com a sociedade. De forma que eles possam, por si mesmos, estabelecer uma visão retrospectiva e crítica pessoal. Não se ensina a compor. Mas pode-se ensinar a decompor… Sobretudo é preciso não mistificar as coisas. Rigor pode muito bem andar ao lado ao humor.

 

Q.: A UFSC talvez venha a ter futuramente um curso de música; o anunciado Centro de Artes ainda  não se concretizou no campus de Florianópolis, onde já funcionam os cursos de cinema e de teatro. Como você imagina hoje um nova faculdade desse gênero no Brasil?

R.: Mais do que nunca, o curso deve levar em conta o background do interessado. Ou seja, a grande maioria, senão a totalidade, dos alunos que ingressam numa graduação de música ja têm uma relação anterior com a música, os instrumentos e a computação.

O curso deve, além de informar o aluno – ultrapassando as categorias caducas de erudito e popular –, também desenvolver o seu espírito criativo e crítico. E deve propor projetos de pesquisa e prática musical em conjunto, de modo a situar o estudante no contexto complexo da atividade cultural de hoje. Um curso, nos dias atuais, que chamo de Artes Sonoras, deve habilitar também profissionalmente nas diferentes areas de atuação. Esse é um aspecto importantíssimo, ou seja, o aluno precisa sair capacitado para se inserir na sociedade como profissional do som e da música. Ele não só deve estar familiarizado com a engenharia e a tecnologia aplicadas ao som e à música, como também deve ter experiência prática com outras linguagens, como o vídeo, o cinema, a internet, o teatro, a dança a pesquisa experimental e acadêmica.

 

Q.: Em que países o ensino de música é mais inventivo e inovador?

R.: Estão em curso algumas experiencias que se destacam, como o BEIM, em Amsterdam, e a Open University, na Inglaterra. Dentro e fora da estrutura universitária, essas experiências enfatizam atividades coletivas e o professor como um orientador, e mesmo colaborador, nessas práticas.

Abandonam as estruturas e grande parte dos conteúdos do conservatório musical europeu, estabelecidos no século 19, os quais, ainda hoje, são a base dos cursos universitários de música no Brasil.

 

Q.: Fale-nos um pouco de sua obra como compositor e sua relação com o cinema e o teatro.

R.: Tenho especial interesse em parcerias, no diálogo. Assim, naturalmente, minhas criações incorporam outras linguagens e parceiros. Desde óperas contemporaneas com textos de Joaquim de Sousândrade, até música para cinema, teatro, video, instalação multimidia, dança, teatro-dança e orquestras ou grupos instrumentais e vocais.

Tive o privilegio de conviver com diferentes criadores, como Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, na área da poesia, e Gilberto Mendes e Phill Niblock, na música, além de diretores de cinema e de teatro-dança, neste último caso, em uma parceria de mais de 20 anos com o austríaco Johann Kresnik, em espetáculos na Alemanha.

Assim, a minha relação com o cinema é aditiva, e não decorativa.

Procuro fazer com que a conta de 1+1 resulte em pelo menos 3.

A ideia de decomposição e deformação me atrai muito, mais que a de criação e composição.

 

Q.: Você trabalha com músicos de rua há muitos anos, no Brasil e no exterior. Poderia nos contar algo dessa experiência?

R.: Começou com a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo, em 2004. Um conjunto que combina diversos músicos de rua – os genéricos e os de pedigree, ou seja, músicos de comunidades imigrantes imporatantes na formação cultural da cidade de São Paulo. Paraguaios, japoneses, nordestinos, todos juntos como numa espécie de mosaico sonoro da metrópole.

Até hoje a Orquestra de São Paulo continua ativa, gravamos o CD NEUROPOLIS (Selo SESC SP, 2007) e seguimos tocando. Criei tambem Orquestras similares em Miami (2005), Berlim (2008) e Rio de Janeiro (2009).

É um espaço de experimentação musical, onde, em lugar de música, eu toco os músicos.

Os músicos de rua encarnam os nervos da cidade, invisiveis mas fundamentais para o estabelecimento da pulsação citadina.