Qorpus entrevista Malcolm McNee

Qorpus entrevista Malcolm McNee

Tradução de Larissa Lagos

Malcolm McNee

 

Malcolm McNee é professor de espanhol e português no Smith College, EUA. Publicou, entre outros, o livro “The Environmental Imaginary in Brazilian Poetry and Art” (2014).

Qorpus: Como você caracterizaria sua abordagem da poesia brasileira atual? Uma leitura alinhada à Ecocrítica?

McNee: Minha abordagem é dupla, dependendo se direcionada pelo meu ensino ou pela bolsa de estudos.  Se for o último, a abordagem à poesia contemporânea brasileira é amplamente orientada pela ecocrítca ou alinhada às questões particulares da ecocrítica.  Esse é um esforço para considerar a poesia como uma esfera de pensamento ecocrítico, tanto em termos de articular respostas para as complexas especificidades e transformações de ambientes particulares ou problemas ambientais tanto quanto em termos de examinar e repensar os conceitos que operam em nossa percepção e imaginação do ambiente e dentro de nossas posições éticas e ontológicas.  Precedendo essa linha de bolsa de estudos, a outra abordagem é amplamente caracterizada pelos meus instintos como um professor de português e de estudos brasileiros, lendo e organizando seleções de poemas de acordo com a percepção de como eles podem se encaixar particularmente num curso, se eles são acessíveis, atraentes em termos de linguagem ou tema, como eles podem ser colocados em diálogo com outros textos, em várias disciplinas e formas artísticas, se eles “funcionarão” como geradores, ou para usar o termo de Barthes, textos escrevíveis, inspirando ou servindo como um modelo formal para estudantes produzirem sua própria escrita criativa.  Temo que nesse último sentido, ou talvez em ambos os sentidos, minha abordagem é de alguma forma utilitária, mas sempre com a esperança de que não estou eclipsando as forças cada vez mais preciosas do seu significado – ludicidade, onirismo, beleza, encantamento, loucura e, como Manoel de Barros insiste, inutilidade poética.

Qorpus: O elenco de poetas brasileiros que você analisa poderia ser definido por quais traços característicos, quando considerados em conjunto?

McNee: Eu diria que eles compartilham uma atenção e sensibilidade à paisagem, plantas e animais, um questionamento ou observação mantida do relacionamento entre o eu humano e o outro não-humano ou ambiente mais-que-humano.  Os poetas que li mais atentamente e escrevi sobre – primeiramente Manoel de Barros, Astrid Cabral, Josely Vianna Baptista e Sérgio Medeiros, e em menor grau, Dora Ribeiro, Wladimir Cazé e Cláudia Roquette Pinto – são cada um, formalmente e estilisticamente, notavelmente distintos.  De alguma maneira eles podem ser considerados um agrupamento muito estranho, uma misto talvez de um choque barroco, simbolista, sensualista, memorialista e vanguardista de sensibilidades e registros experimentais.

Contudo,  cada um manifesta, disperso em poemas ou mais consistentemente através dos seus trabalhos, um pensamento ambiental e uma sensação que, através da poética, exaltam o mundo natural, ou elementos tipicamente associados ao mundo natural, o que também perturba de alguma forma o próprio conceito de natureza.  Mais recentemente, o corpus de poetas que tenho lido e pensado a respeito – incluindo ainda Barros, Baptista e Medeiros, mas também André Vallias, Ricardo Corona e Douglas Diegues – é definido por um compromisso com a indigeneidade e as artes verbais indígenas, seja como tradutores ou tematicamente, esteticamente e conceitualmente no seu próprio trabalho.  Isso é realmente fascinante e consequentemente uma tendência na poesia brasileira contemporânea, embora ainda esteja me localizando quanto a minha abordagem crítica.  Isso continuará a se desenhar a partir de fluxos particulares dentro da ecocrítica contemporânea, mais notavelmente onde cruza com estudos indígenas e cosmopolitas, mas também precisa ser profundamente melhor informado sobre histórias socioculturais e políticas de indigeneidade no Brasil, e mais letrado na história e prática de etnopoética no Brasil e as intertextualidades com textos indígenas específicos que esses poetas contemporâneos estão criando.  Essa análise é muito um trabalho em desenvolvimento, não muito longe do estágio inicial, mas estou achando um projeto muito atraente e inspirador, e estou gostando muito de mergulhar no trabalho desse grupo de poetas e nas questões contextuais e leituras que para mim são de alguma forma sinais.

Qorpus: Na sua universidade o ensino e a leitura da poesia implica também entrar em contato com a poesia dos povos indígenas?

McNee: Smith College é uma instituição de graduação e nosso currículo em Estudos Portugueses e Brasileiros é interdisciplinar em sua conceituação.  Isto é, mais que foco exclusivo na língua e na literatura, os alunos estudam uma variedade de aspectos brasileiros ou culturas e sociedades lusófonas. Nossas leituras de literatura em geral, poesia mais especificamente, são, portanto, incorporadas numa temática, estudos culturais ou quadro interdisciplinar de humanidades.  Por exemplo, em um curso sobre raça e identidade nacional no Brasil nós lemos poemas de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Raul Bopp junto aos romances, filmes, ensaios e estudos sociais científicos.  Em outro curso, sobre linguagem política e diversidade linguística em mundo de falantes de português, nós lemos, junto com estudos sociolinguísticos, reflexões poéticas sobre linguagem de Drummond, Adélia Prado e Manoel de Barros, juntamente com seleções de poetas portugueses e da África lusófona.  Da mesma forma, em um curso sobre paisagem e meio ambiente na cultura brasileira, lemos poetas românticos, modernistas e contemporâneos, junto com ensaístas, romancistas, historiadores, antropólogos, jornalistas, cineastas e artistas plásticos.  Em qualquer um desses tópicos, poesia indígena se encaixaria bem e, como continuo a me familiarizar com o corpus existente, espero integrar seleções nas próximas edições, e um dos maiores objetivos da minha atual licença para pesquisa é pesquisar e desenvolver um novo curso sobre indigeneidade no Brasil, com componentes baseados na história, antropologia, política e certamente artes verbais e cultura visual.   Então, a resposta curta quanto ao meu próprio ensino de poesia é, ainda não, mas logo.  Em termos universitários em geral, minha colega de espanhol, Michelle Joffroy, ministra cursos sobre a resistência cultural indígena no México, e outro colega em História e Estudos Americanos, Christen Mucher, ministra um curso sobre literaturas nativas nas Américas do período pré-colonial através do século XIX. Pelo que sei, contudo, o ensino de poesia em si no Smith College – que tem notavelmente uma forte presença, incluindo uma Concentração Poética (semelhante a um curso secundário) e um nacionalmente reconhecido Poetry Center que organiza um calendário regular de leitura por poetas renomados nacionalmente e internacionalmente (o Poetry Center, esse ano celebrando seu 20º aniversário é verdadeiramente uma das joias da universidade) – amplamente negligencia a poesia de pessoas indígenas.  Espero que o desenvolvimento do meu currículo possa ajudar a abordar essa negligência, que penso até certo ponto ser devido a questões de língua, mas também a uma tendência de ver artes verbais indígenas como mais apropriadamente endereçadas primeiramente e principalmente, se não exclusivamente, através das lentes da antropologia, ao invés de estudos literários comparativos.  Também deveria mencionar que Smith organiza um jornal realmente maravilhoso de tradução literária, Metamorphoses, editado pela professora de Literatura Clássica e Comparada, Thalia Pandira.  Seu número de Outono de 2017 incluirá uma sessão especial sobre etnopoesia comparativa brasileira, incluindo minhas traduções para inglês da poesia Mbyá-Guarani, Bororo e Marubo, de traduções para o português feitas por Josely Vianna Baptista, Sérgio Medeiros e Pedro Cesarino, respectivamente.  Eu espero elaborar sobre isso com traduções adicionais, como uma outra maneira de possibilitar contato com poesia indígena do Brasil.

 

Qorpus: Você se interessa igualmente por poesia sonora e visual? Ou tem preferido dedicar-se à poesia verbal?

McNee: Apesar de poesia visual e sonora não estarem proeminentemente em destaque em meu livro, The Environmental Imaginary in Brazilian Poetry and Art, elas são de grande interesse, ambas no meu ensino de literatura no contexto de língua portuguesa e estudos culturais brasileiros, e conforme continuo a desenvolver meu projeto da bolsa de estudos em poesia brasileira contemporânea. Geralmente acho que poemas que reivindicam, ou colocam em primeiro plano, dimensões visuais e sonoras atraem alunos que são, de outra forma, resistentes à poesia ou à literatura em geral. Poesia que eles podem começar a considerar e até ler como som ou paisagem são, sem dúvida, mais acessíveis e interessantes a eles e oferecem uma gama mais ampla pela qual se envolvem com o texto.  Penso que também exemplifica um espírito de restauração, ou fascínio lúdico com a linguagem em todas as suas dimensões, que encorajo meus alunos a cultivar.  Por exemplo, eu consistentemente usei no início das aulas de português o “babilaque” de Waly Salomão, “No microtabuleiro” e o “Jornal de Serviço” de Drummond, musicalizados por Adriana Calcanhotto, como uma forma encorajar os alunos a afinar seus ouvidos para os sons da língua enquanto suspendia a procura pelo significado da narrativa e também para inspirá-los a compor livremente suas próprias coleções de palavras favoritas ou interessantes, baseadas em como elas soam, como eles sente ao falar, ou como uma espécie de jogo cadavérico requintado, baseando-se em qualquer variedade de origem da língua.  Os encontrados poemas objeto-língua de Elefante de Francisco Alvim, compostos pelo que parece ser fragmentos de conversas escutadas ao acaso (é como tido arte poética, se você lembra, é somente três palavras: “Quer ver? Escuta.”) também funcionaram bem como uma forma generativa no meu ensino intermediário de língua, apenas de eu não ter certeza que eles contam muito como poesia sonora ou visual. Os poemas visuais de Ricardo Aleixo também tem feito sucesso com alunos, contudo algumas tentativas de introduzir alunos a exemplos anteriores da Poesia Concreta se mostraram um pouco monótonas para eles.  Quanto a minha pesquisa, estou começando um ensaio sobre o projeto multimídia digital de Josely Vianna Baptista sobre os Campos Gerais, região do Paraná, “Na tela rútila das pálpebras” que inclui vídeo-poemas e poemas ilustrados com fotografias e desenhos. Nesse ensaio, planejo considerar mais inteiramente as dimensões visuais dos poemas e coleções mais antigos, desenvolvendo uma leitura que considera a relação com a ecopoesia e poesia expandida e também a situação da ecopoesia dentro de um contexto ou área ambiental e interdisciplinar de humanidades.  Também escrevi um pouco sobre os poemas em vídeo e gráficos de André Vallias e espero aprofundar minha leitura e ensino no seu trabalho.  Em um momento de tremendo pluralismo e diversidade em poesia contemporânea, experimentação com poesia como uma área expandida, em contato ou diálogo com outros gêneros ou campos artísticos – artes visuais, música, teatro e performance – parece uma tendência claramente identificável e interessante, certamente ampliada pela expansão da mídia e cultura digitais.

Qorpus: O experimentalismo poético continua vivo na poesia brasileira? Ou a poesia atual teria se tornado, com exceções, mais acomodada e convencional?

McNee: Eu não me sinto suficientemente confiante na minha visão da área como um todo para poder dizer.  Envolver-se com poesia brasileira em grande parte distante e, francamente, não tendo lido suficientemente ou consistentemente seguido a maior parte das revistas de poesia e lugares devido às limitações de acesso e tempo, minha visão da dinâmica relativa do experimentalismo e convencionalidade é bastante limitada.  Com essa reserva, eu me aventuraria a dizer que experimentações continuam a prosperar – como demonstrado no trabalho de muitos poetas que tenho me interessado – mas talvez não tenham se agrupado em conjuntos coletivamente como movimentos de vanguarda fizeram no passado. Parecem manifestar-se de maneira mais fragmentada, expressão individualizada, em um campo que no geral é pluralista, relativamente livre de escolas e polêmicas  Essa é uma noção  bastante vaga que espero poder aguçar ou talvez revisar totalmente nos próximos meses enquanto residir no Brasil, com melhor acesso e mais tempo para um dedo mais firme no pulso da poesia contemporânea aqui.