Entrevista com Renato Turnes – Telemakos Endler

Entrevista com Renato Turnes

Telemakos Endler*

 

Renato Turnes, manezinho, só que não da ilha. Nascido no Estreito, parte continental de Florianópolis. É ator, diretor, produtor, cineasta. Já recebeu o prêmio Waldir Brasil e a medalha Francisco Dias Velho. (Entrevista  dada oralmente a Telemakos Endler).

 

TGE – Quando iniciou o seu interesse por teatro e como foi sua trajetória?

RT – Eu faço teatro desde criança. Na rua onde eu morava tinham umas vizinhas que faziam teatro e organizavam teatro ali, na rua. Na escola eu tive problema de comunicação e fiquei complemente gago. Não falava uma frase sem gaguejar. Não sei por qual razão isto aconteceu, mas uma professora chamada Beatriz me chamou para participar de um grupinho de teatro da escola. Comecei, então, a fazer teatro e acontecia um milagre que eu não gaguejava quando estavaem cena. Logo, eu adorei a sensação de poder me expressar com liberdade, sem gaguejar. Além da comunicação, pois estava me comunicando com os outros e recebendo respostas deles. Liberdade em plena forma, eliminando obstáculos que a gagueira me causava mesmo.

Quando adolescente parei em razão da questão social da família, faculdade e vestibular. E obviamente o teatro não estava nos meus planos de seguir uma carreira profissional. Para mim era diversão e terapia, de certa forma.

Entrei na faculdade de Biologia, na UFSC, onde cursei até a sexta fase. Na faculdade, eu retornei a fazer teatro, mas parei e, antes de sair do curso, resolvi prestar vestibular para artes cênicas, mas para as pessoas não me enxerem o saco por não estar fazendo nada. Na faculdade me encontrei mais, com professores e colegas. Me formei na UDESC em 2000.

 

TGE – É possível viver de arte em Florianópolis?

RT – Em todas as profissões existem desempregados (médicos, advogados, jornalistas, etc). Tudo é possível e tenho várias provas. Quando eu comecei a trabalhar era tudo bem mais complicado, mas nos últimos 10 anos muitas coisas aconteceram e a cidade evoluiu em muitos aspectos. Não somente a mentalidade das pessoas, mas também as organizações artísticas. Saber como escrever um trabalho, fazer um projeto, colocar num concurso, num edital, produzir, fazer com que eles rendam, tenham vida útil e como também atuar em diversas frentes. Obviamente que eu não sou um ator que fica em casa esperando alguém me convidar para fazer um trabalho: sou produtor também, eu dirijo, eu produzo, eu escrevo. Tenho diversas frentes de núcleos de habilidades que desenvolvi com o tempo. Não só aqui. Todos os colegas que eu conheço no Brasil se viram deste jeito. E acho que no mundo todo é assim. Com exceção do esquema super industrial, como a TV ou Hollywood, o qual não é assim. Você é somente o ator.

 

TGE – Você acredita que faltam oportunidades para novos atores? E que, ao invés de esperarmos o espetáculo ideal para atuarmos, devemos, também, produzir? Como é ser ator/produtor? Como se deu a fundação da produtora?

RT – Eu acho que sim, porém nem todos. É difícil de produzir. Produzir é uma coisa complicada, aos poucos fui aprendendo a lidar com isso. No início eu não queria, eu tinha resistência, e eu queria ter um diretor, um produtor, um ator. Mas acho que isso é uma coisa mítica. E com o tempo percebi que a coisa mudou. Acho que na cabeça dos jovens, da mesma forma que quando eu comecei também, existe uma “glamouração” da profissão. Eu vou estar bem feliz ou não. Acho que ser um ator/produtor me permite ter sempre trabalho sem depender de ninguém. Crio projetos onde estou atuando, dirigindo ou produzindo. Um projeto sempre vai encaixando-se no próximo. Ao mesmo tempo em que eu também trabalho no projeto dos outros. Não estou diretamente na produção, apesar do forte do meu trabalho ser o trabalho que eu produzo. 

Eu acho que existem então essas duas coisas: a necessidade da pessoa se especializar e de também se associar com parceiros que possam complementar suas habilidades e competências. Eu trabalho em sociedade com a Milena Moraes, que é uma excelente produtora, além de ótima atriz. Ela é talentosa em diversos aspectos que eu não sou, e vice-versa. Então encontrar este tipo de parceria é fundamental. Isso é o tipo de coisa que qualquer profissional poderia estar te falando, de qualquer área. Vejo a nossa profissão como semelhante as outras. Como é difícil ser bem sucedido em qualquer outra. No nosso caso, sempre tem problemas e obstáculos específicos, mas sempre existe a possibilidade de se especializar ou de se associar com pessoas interessantes.

Na verdade eu devo muito o meu começo como diretor a Milena. Sempre que eu trabalhava, eu escutava muito esse comentário que eu deveria dirigir. “Você tem uma onda de direção”, dizia ela. Também ocorreu enquanto eu dava aula pra alunos… ou numa a montagem de final de curso. Mas profissionalmente eu nunca havia dirigido teatro, eu já havia feito algumas coisas com vídeo.

Então, a Milena encontrou o texto Mi Muñequita do Gabriel Calderón, que é um jovem dramaturgo uruguaio. Leu o texto e achou que tinha a ver comigo. Aquela coisa que sempre assusta: alguém chegar e diz que achou o texto a sua cara. Ai meu Deus, é a minha cara, que horror! (risos).  Mas enfim, então eu topei. Há sempre alguém que te diz que você é um diretor. Logo, as coisas acontecem naturalmente com alguém te propondo e acreditando em você.

Então vimos que nossa parceria era boa, porque além de Mi Muñequita ter sido um espetáculo bem sucedido, gostamos de trabalhar juntos. Logo, montamos a produtora “La Vaca”.

 

TGE – Como se deu a sua especialização?

RT – Na faculdade, já comecei a atuar com o professor André Carreira, quando ele montou o primeiro grupo dele com os primeiros atores: “Experiência Subterrânea”. Ali já comecei a ter experiência de teatro universitário, mas sempre no esquema mais profissional possível dentro das nossas possibilidades. Aliás, isso é uma coisa que precisa ser feita: montar um grupo, chegar junto num professor que tenha algum tipo de afinidade e propor um trabalho e tentar prosseguir. Fazer temporadas, experimentar essa coisa da vida real. A academia é também “uma bolinha” de conhecimento um pouco cambiada da realidade das coisas. Ela te fornece uma base boa de como é fazer uma temporada num teatro, de divulgar um espetáculo. Como se comunicar com a imprensa ou como escrever um texto, um release sobre o espetáculo, para quem levar. Quando comecei, nós levávamos uma foto impressa com o texto para o jornal. Hoje em dia é diferente, com as redes sociais e toda a tecnologia. Quinze anos para trás…

 

TGE – Kassandra, Mi Muñequita e Le Frigô são peças escritas por dramaturgos latinos americanos. De onde vem essa influência para encenar essas peças estrangeiras?

RT – Temos essa ponte com o teatro latino-americano porque a Milena é casada com um uruguaio, o Esteban Campanela, que também é tradutor. Ele quem traduz as peças. Então temos essa ligação forte, principalmente com o Uruguai. E foi aí que decidimos montar o Calderón, com o apoio dele, e temos projetos de outros textos dele pra fazer. Então, surgiu esse interesse, pois achamos um nicho interessante a desenvolver. No Brasil, existe essa barreira da língua. Estamos muito perto, mas ao mesmo tempo separados por esta questão da língua. Então toda essa coisa de trazer textos escritos em espanhol, contemporâneos, que não foram traduzidos e montados no Brasil ainda, é um trabalho que nos interessa, pela novidade, pela importância que achamos que tem no intercambio/comunicação entre esses países. Fora que achamos o trabalho do Calderón incrível, nós adoramos as peças, nos identificamos com a linguagem. A partir dele conhecemos outros, como o Blanco que é o autor da Kassandra, que é um parceiro do Calderón também. E é sempre assim…Copi que é um franco-argentino, mas veio através de outro viés, foi o Vicente Concilio que me mostrou, o texto o homossexual e acho a minha cara (risos). Mas Le Frigô veio depois, quando encontramos essa peça em livro do Copi.

 

 TGE – A polêmica Kassandra, censurada da Maratona Cultural 2013, é uma peça site generic que já foi apresentada em outros países, na qual o próprio dramaturgo uruguaio Sérgio Blanco impõe algumas regras para utilização do texto: ser apresentada numa casa noturna, no idioma original (inglês grotesco) e por uma atriz (mulher) ou ator travesti. Sabe se houve algum tipo de problema com a apresentação da peça em algum outro lugar? Como você vê à cultura em Florianópolis?

RT- Não tenho notícias de problemas em outros lugares. Existe uma Kassandra uruguaia, que é feita pela irmã do Sérgio Blanco. Tem uma Kassandra argentina que saiu da boate e apresenta-se numa espécie de restaurante e serve um jantar (a adaptação é bem diferente). Tem uma Kassandra grega, que é muito boa. Ela é grega. Imagina a tragédia dentro desta pessoa. E tem uma cubana, que é um travesti.  Mas não soube de nenhum problema desse tipo. Até em Cuba rolou a encenação.

Quando estreamos Kassandra já estávamos preparados para certas reações, um pouco era intencional da nossa parte. Todo um plano de comunicação do trabalho, também fortalecia a ideia do erótico. Então, estávamos um pouco preparados para tipos de comentários que aconteceram nas redes sociais. Pessoas associando a marca do governo federal, porque o projeto foi financiado pela FUNARTE, com a prostituição pelo fato de envolver uma casa de diversão adulta. Mas houve comentários assim porque as pessoas não entenderam direito as coisas e acho que um pouco do nosso trabalho é fazê-las ver, e entender outras realidades possíveis, entenderem a cultura e os próprios espaços da cidade. O espaço do “puteiro” é um espaço envolto em muitas mitologias, mistério e proibição. Então, saberíamos que estaríamos mexendo com a escolha do espaço, junto com a escolha do tema, junto com os aspectos visuais da comunicação do espetáculo. Por que tudo isso é o espetáculo. Quando agente faz um flyer de trabalho, isso já é o trabalho. Isso é uma coisa muito forte na nossa ideia de produção. Então, vimos que nosso espetáculo começou a acontecer muito antes de estrear, com as pessoas associando o Bokarra ao teatro.

O fato que aconteceu na Maratona foi um pouco mais grave, pois houve uma tentativa de intervenção. Porque uma semana antes, houve o caso do go-go boy da Palhoça. As pessoas juntaram uma coisa com a outra e surgiu no Facebook uma espécie de denuncia, que era um absurdo o governo estar botando dinheiro na prostituição e financiando o Bokarra. As pessoas criam um monte. E até eles verificarem que o Bokarra não estava levando nada, muito pelo contrário, a casa investe no espetáculo. Ela abre a casa, coloca segurança, garçom, caixa, ou seja, esta gastando. E que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Que é uma proposta estética e é o tema do espetáculo. Que é tudo tão coerente para quem entende um pouco.

Então percebemos que às vezes temos que passar um pouco do nível da produção, para que as pessoas entendam da forma mais simples: Não, as garotas não estão trabalhando neste dia; Não tem prostituição ali; Não é um show de striptease. É teatro; é premiado. Colocando argumentos que a priori não eram necessários, porém para as pessoas entenderem.

Aconteceu então essa tentativa. Na verdade, a organização do evento foi pressionada. Pediram para propor um novo espaço, “moralmente” aceitável. Então não topamos, pois ideia artística do projeto tinha uma dependência com o local. A partir disso surgiu uma série de repercussões de outros artistas e de outros grupos, que na verdade pra mim foi muito mais valoroso do que o ato em si, pois mostrou uma união da classe que até então não existia… foi surpreendente. Foi muito legal a comunicação que existiu, os grupos que desistiram ou manifestaram nas apresentações deles, ou manifestaram-se através de cartas ou mensagens pessoais para nós. Mostrou uma força da classe teatral que é muito mais unida no Estado do que nos outros.

 

TGE – Além da polêmica gerada com a censura da peça Kassandra e as manifestações que aconteceram durante a Maratona, a nova peça As Felicianas é uma critica social humorística. Você considera o teatro político? De que maneira vê essa relação teatro-política?

RT – Eu acho todo o teatro político, em algum sentido. A Kassandra é absurdamente política pela temática, pela adaptação, pela leitura que o dramaturgo propõe do livro e pela leitura que ele faz da prostituta. Fala sobre a violência contra a mulher, prostituição, sexualidade, sobre vários temas de caráter social e político.

Acho que nós temos um ranço do teatro e da política. Felicianas é um show de humor basicamente, onde aproveitamos as polêmicas envolvendo essas questões de direitos civis, o casamento igualitário, Feliciano, Bolsonaro, tudo isso pra fazer comédia, obviamente com um fundo crítico bem forte. A ideia do show é construir números cômicos, um estilo meio cabaré e com todos os atores homens travestidos. Alguns quadros coletivos, em duplas e muitos quadros individuais, com personagens.

Uma coisa muito forte que está acontecendo no nosso trabalho é a questão da sexualidade, transformismo, transexualidade. Esse discurso tem aparecido de forma espontânea. Tem na Kassandra, no Le Frigô, nas Felicianas, Eu te amo Glória Pires.

TGE – Enquanto diretor vemos elementos comuns em diferentes peças (apresentação da personagem no início, cenário e elementos kitsh). Você segue esse estilo ou simplesmente acontece? Já como ator, há uma grande versatilidade nas personagens. De que maneira é a sua preparação?

RT – Obviamente que atuar e dirigir são duas formas de expressão da minha personalidade. Mas como ator eu procuro ser um instrumento para o diretor. Então, essa versatilidade vem um pouco da minha ideia de esvaziamento para depois ir construindo a coisa na medida em que as motivações vêm chegando, as ideias da direção e estilo. Por isso eu acho que eu consigo ter em mim essa possibilidade para esvaziar de mim mesmo para deixar uma coisa nova acontecer. Eu acho que consigo dentro das limitações pessoais (afinal é o meu corpo minha voz, minha cabeça), ter um pouco essa flexibilidade, personagem muito masculino, meio travesti. Todas essas diferentes personas que estão todas habitadas em mim e eu consigo dominá-las de alguma forma.

Como diretor, eu trabalho mais as minhas vontades. Mas acho que eu sou um diretor muito novo pra dizer que eu tenho um estilo de direção. Eu acho que não. Acho que eu estou ainda experimentando coisas e que eu tenho uma intuição que faz com que alguns elementos se repitam. Por exemplo, essa questão da transexualidade. Acontece naturalmente, caem na minha mão essas coisas. Ou as pessoas jogam, pois sabem que eu possa ter material para aquilo. Então, é uma mistura de coisas. É um pouco de espontaneidade e também escolhas que são aleatórias e um pouco conscientes. Mas acho cedo pra dizer que tenha um estilo como diretor. Estou mais no período da busca com alguns acertes e com coisas que eu gosto e que vão se repetindo.

Sobre a atuação, depende do projeto. Cada projeto é um projeto e cada projeto oferece um desafio diferente. Quando eu faço teatro, basicamente eu pego o texto e procuro encontrar ali as coisas e me cercar das referências e imagens. Não tenho muito essa coisa de preparação prévia. O teatro é muito a arte de fazer. Às vezes estou com o texto na mão ensaiando, fazendo, buscando ação. Quando eu encontro ação e depois que encontrei o sentido de tudo, aí vai. Logo, a coisa começa acontecer naturalmente e a personagem vai acontecendo.

No cinema existe um tempo de preparação mais necessário.  Por exemplo, agora estrearão dois longas-metragens que eu atuei com personagens bem diferentes entre si. Um é o Rendas no ar, que vai estrear e abrir o FAM. Eu faço um vilão de melodrama. É um personagem viril, com uma energia perversa e demoníaca. Um pouco semelhante ao trabalho da Trilogia Lugosi. E o Ensaios onde eu faço uma transexual. São dois personagens absurdamente opostos. Para os dois eu me preparei. Principalmente para a Baldina que é transexual.  Foi um processo longo, onde primeiro eu quis dar um olhar mais realista, que no teatro é mais alegórico e simbólico. Obviamente, aqui eu fiz laboratório, fui pra rua conversar com as “travas”, tirei a sobrancelhas, coloquei aplique, unhas postiças, foi muito louco… personagem ótimo.

 

TGE – Outro elemento presente nas obras é a tragicomédia. Você acha que tem uma tendência a trabalhar com esse gênero?

RT – Especialmente como diretor, eu tenho uma tendência a trabalhar com os atores, isso quando o texto me permitir, um certo tom que é meio híbrido entre a tragédia e a comédia. Eu gosto de comédia, mas de comédias que tenham um tom do dramático. Onde o personagem tenha motivações dramáticas e expresse esses conflitos, às vezes, de maneira patética. Então, Coração Delator (da Trilogia Lugosi) é muito legal, porque é uma linha bem tênue que exige ferramentas complexas de expressão. Em Mi Muñequita, conseguimos uma encenação onde o público acompanha o drama dos personagens rindo e se emocionando com a tristeza deles também, às vezes em momentos separados, e às vezes numa cena só. Sentimentos muito diferentes. Porque eu acho que a vida é assim. Acontece um merda na nossa vida e procuramos motivos para rir disso. Então esse patético me interessa enquanto linguagem para trabalhar com os atores. Esse texto que temos buscado serve para esse desejo que tenho buscado como diretor de atores e que eu também gosto de fazer como ator esse tipo de personagem.

                Em Kassandra entendemos que é um risco que se corre. E todo o trabalho está sempre em construção, nessa última vez que fizemos estava mais trágico. No final, era mais pesado que no começo.  O espetáculo vai mudando e a Milena mesmo vai encontrando tons mais exatos. E as coisas dependem muito do público. Por exemplo, se o público está risonho, é preciso segurar as rédeas do público para que a tragédia também apareça. Às vezes, o contrário. Nessa última apresentação o público estava mais sério e se envolveu mais com a tragédia. A atriz percebe isso e aproveita esses momentos. Não é como estar no palco italiano e nada do que acontece com a plateia atinge o ator. Os tons vão mudando de acordo com a resposta que o público vai dando.

 

TGE – Quais as principais dificuldades e diferenças entre atuar/dirigir no teatro e cinema? Há preferência por algum?

RT – Como ator, prefiro o cinema. Não existe momento mais feliz do que quando estou no set de filmagem. Porque o ator de cinema, quando a produção é boa (pois às vezes nos metemos em umas roubadas), todo mundo toma cuidado e paparica (anda com guarda-sol em cima dele, pega banquinho pra sentar, cafezinho). Para o ego não tem nada melhor. Isso na nossa realidade pequeninha. Imagina numa produção industrial.

O que quero dizer, sem brincadeiras, o ator no cinema tem um lugar muito especial, ele é precioso para o cinema. O diretor entende que o ator precisa estar bem, bem tratado, disposto e descansado, porque tudo isso se imprime na tela. Então, essa consciência que uma produção cinematográfica tem em valorizar o trabalho do ator nos deixa muito bem. Eu adoro fazer cinema. Também esse lance perene que o cinema tem de estar impressa ali a sua ação para sempre e as pessoas poderem ver aquilo. É incrível.

O teatro é mais trabalho duro, é suor, é outra historia… Ensaio, processo, cansaço. Obviamente que o momento de estar em cena com o contato direto com o espectador é inigualável. Mas o período que antecede, até a coisa acontecer, pelo fato de estar tudo nas nossas costas, é muito mais cansativo. É muito mais forte e nos consome muito mais.

No cinema tudo está preparado para o ator fazer. A diferença é do meio de produção.

 

TGE – E como você faz para não perder a energia do personagem devido às esperas e pausas durante as gravações das diversas cenas?

RT – Eu já tenho um certo domínio sobre isso. Como o cinema é filmado de forma não linear facilita se perder. O padrão que eu uso é: o que eu busco e o que está acontecendo comigo agora. Na verdade, quando você é bem orientado pelo diretor, entende perfeitamente a cena que você está, conhece o roteiro, o personagem.

Precisa estar bem concentrado e entender que o personagem do cinema é uma junção de fragmentos. Ao contrário do teatro, mesmo a peça tendo uma linguagem fragmentada, possivelmente num texto mais contemporâneo, você pode construir, você treina as condições que se repetem e conhece aquilo.  No cinema o seu personagem no final vai ser sempre um mosaico de fragmentos diferentes. É importante conhecer o roteiro e conversar bastante com a direção sobre a ideia do filme para entender esse mosaico. Para poder jogar com as peças conforme os planos de filmagem solicitados.

 

TGE – Como você enxerga o trabalho em comercias televisivos?

RT – Não tenho repúdio a nada e acho que trabalho honesto o ator precisa fazer. Mas chega uma idade e fase da sua vida que você começa a selecionar o que faz. Não tenho mais idade e nem paciência para ficar numa fila de testes. Tenho muita coisa para fazer (risos). No começo já fiz muito comercial.

 

TGE – Diante de tantos papeis e direções, tanto no teatro quanto no cinema, qual a peça/filme mais marcante, como ator e diretor. Por que?

RT – O filme com certeza é o Ensaio com a personagem Baldina, inclusive o filme vai entrar em circuito nacional com previsão para julho. Então, acho que vai ser legal. Além da personagem ter um processo muito legal, que tem tudo a ver com as coisas que eu tenho feito.

No teatro, acho que preciso falar da Trilogia Lugosi que é um trabalho que me marcou bastante e está fazendo 10 anos desde a sua estreia com Coração Delator. Acho que é uma coisa forte do meu trabalho e também do que as pessoas veem de mim como ator de teatro.

 

TGE – Como produtor, de qual forma avalia a distribuição de verba cultural em Florianópolis?

RT – Uma bosta. Teremos agora o Elisabete Anderle, que mesmo estando um pouco longe do ideal, ainda é a forma mais democrática de financiamento público, que é o edital onde todos da forma mais democrática possível podem concorrer e ganhar prêmios para executar os seus projetos culturais. Fora isso temos o FUNCultural , que é muito misterioso, inexpugnável, que distribui dinheiro para poucos escolhidos e não temos as regras e não sabemos como acontece. Temos agora esperança de que tudo mude com os conselheiros de cultura novos. Masem Santa Catarina, nossa única fonte mais ou menos confiável é o edital Elisabete Anderle. Lei de incentivo não há. Mas acho que os artistas podem utilizar outras formas de financiamento, especificamente da FUNARTE que são muito dignas e é por aí que precisamos investir.

 

TGE – Vejo Renato Turnes e a produtora Cia La Vaca como grandes inovadores e pioneiros da cultura teatral em Florianópolis. Como exemplo temos Kasandra que é site generic e tem uma atuação mais performática onde o público acaba fazendo parte do espetáculo ativamente. Como é a aceitação do público para este tipo de teatro em Florianópolis?

RT – Acho que as pessoas gostam. Acho que atinge um público mais especifico e um público que esteja mais disposto a encarar essa experiência. Não podemos generalizar. É um público mais velho. É um público que se interessa por coisas diferentes, que sabe falar inglês, precisa ter um certo domínio básico da língua. Nós entendemos que não é um espetáculo para todo mundo. Não podemos apresentar meio dia na Praça XV. Cada projeto tem sua especificidade. E O público alvo dele é uma delas.  Kassandra atinge um público que está mais preparado para isso.  Isso não quer dizer que todos não possam usufruir da obra de outra forma.

 

TGE – Como administra os vários projetos paralelos nos quais está trabalhando?

RT – Trabalho muito. Todo dia tem coisa para ser feita. E final de semana geralmente estamos apresentando.

 

TGE – Tanto nas direções de Emoções baratas (Eu te amo Glória Pires) e Eu faço uma dança que minha mãe odeia, quanto na atuação de Le Frigô, há uma relação do ator/dançarino com a mãe. Sendo que nas duas primeiras há uma dramaturgia coletiva. Como é Renato Turnes como filho? E sua relação com a mãe?

RT – Acho que a mãe está na base de todos do mundo. A minha mãe era super legal e sempre me incentivou. Não era de falar vai lá e faça isso, mas também nunca proibiu e foi um obstáculo. Quando eu coloco essas mães em cena não é necessariamente a minha mãe, é a figura da minha mãe. Eu tenho muito essa coisa na cabeça: não acho que é mãe porque é santa. AS mães que aparecem nas peças são assim: ou elas acabam com a vida do filho por excesso ou por falta de amor.

* Aluno do Curso de Artes Cênicas da UFSC