Entrevista com Jean Nöel, diretor do teatro de la Huchette, Paris, e os atores Christian Termis e Sophie Fontaine – Dirce Waltrick do Amarante
Entrevista com Jean Nöel, diretor do teatro de la Huchette, Paris, e os atores Christian Termis e Sophie Fontaine
Dirce Waltrick do Amarante*
Em novembro de 2011, tive a oportunidade de conversar, ao final da apresentação de “A cantora careca”, no teatro de la Huchette, tradicional casa no coração de Paris, com os atores, alguns dos quais interpretam os personagens de Ionesco há mais de dez anos, e com o diretor do teatro de la Huchette, Jean Nöel. A peça está em cartaz, no mesmo teatro, desde 1957, sem interrupção. Um pouco dessa conversa está resumida na entrevista abaixo, que os atores Sophie Fontaine e Chistian Termis, e Jean Nöel, concederam especialmente ao jornal “Qorpus”.
Dirce: Eugène Ionesco afirmava que, ao tornar-se adulto, de repente deixou de gostar de teatro, pois, conforme alegava, a presença física dos atores e a sua interpretação no palco, “aparentemente gente séria fazendo um papelão”, deixava-o constrangido. A raiz da revolução teatral de Ionesco rumo ao chamado “Teatro do Absurdo” estaria nessa constatação. Depois de atuar todos esses anos em peças “antirealistas” ou “absurdas”, é possível para vocês retornar ao teatro naturalista sem sentir, sequer por um momento, esse constrangimento de que fala Ionesco?
Sophie Fontaine: Enceno a Madame Martin há dez anos e meio (somente!). Acho que, depois de Ionesco, o teatro mudou. Acredito que exista um “antes de Ionesco” e um “depois de Ionesco”. No chamado “teatro naturalista” existem autores como Strindberg, um dramaturgo muito interessante!!! Ele escreveu papéis fabulosos para as mulheres. Comparados aos seus textos, os filmes feitos hoje para a televisão me parecem inexpressivos!
Dirce: Vocês atuam somente em duas peças de Ionesco, “A cantora careca” e “A lição”, ou fazem também trabalhos paralelos, dentro e fora do Teatro de la Huchette? No caso de trabalharem somente com Ionesco, a atuação não corre o risco de tornar-se automática, no mal sentido, depois de todos esses anos de apresentação?
Christian Termis: Sim, ano passado, eu encenei três peças fora do teatro de la Huchette, mas encenar periodicamente “A cantora” é sempre uma redescoberta e um prazer renovado. Além do mais, representar durante períodos tão curtos (uma semana ou quinze dias), com uma distribuição sempre diferente de papéis, não dá lugar ao hábito e à monotonia. Em cada apresentação a gente redescobre a peça, assim como o nosso parceiro de cena.
Sophie Fontaine: Atuo em outras peças além de “A cantora careca”. Acabei de encenar uma peça de um escritor contemporâneo, Christophe Pellet, muito poética e com um estilo totalmente diferente de Ionesco. Até o momento, continuo encenando “A cantora careca”. Cada personagem é encenada por quatro atores diferentes, portanto nunca encenamos com os mesmos atores. Encenamos aproximadamente, cada mês e meio, cerca de quinze dias. Ainda hoje, redescubro o quanto essa peça é rica e uso essas novas descobertas para enriquecer o meu papel.
Dirce: Vocês se apresentam fora da França, em países cuja língua mãe não é o francês. Nesses países, vocês interpretam em francês? Como são essas apresentações? Como tem sido a recepção das peças de Ionesco fora da França?
Christian Termis: Sim, encenamos em francês.
Sophie Fontaine: Acho que os atores mais antigos do que eu no grupo responderão melhor a essa pergunta. Só participei de apresentações em países francófonos.
Jean Nöel: Representamos sempre em francês, como poderiam os atores representar em todas as línguas? Felizmente, existe fora da França um grande número de pessoas francófonas ou francófilas. Os francófonos não têm obviamente nenhum problema, os francófilos, que vêm assistir ao espetáculo, são normalmente estudiosos ou já leram as peças em suas próprias línguas antes de assistir às montagens, e o pouco de francês que eles conhecem lhes permitem acompanhar e espero apreciar o espetáculo. Muito frequentemente, como da última vez em que aceitamos o convite do Teatro Nacional Turco para uma série de apresentações em muitas cidades, nós preparamos para o país de acolhida uma “legenda”. Isso exigiu um trabalho prévio, como o de fazer a dublagem e a legenda. Bem realizado, isso é um “conforto” para o espectador que não domina verdadeiramente o francês. Mas precisamos de um intérprete bilíngüe, ao lado do administrador da turnê, para que a legenda funcione em sincronia com a ação e as réplicas da peça.
Dirce: “A cantora careca” está em cartaz sem interrupção no teatro de la Huchette desde 1957. Vocês atribuem a que esse sucesso? Quem atua a mais tempo na peça e quem é o integrante mais novo do grupo?
Christian Termis: Esse sucesso se deve provavelmente à novidade e à estranheza do teatro de Ionesco na sua época e, depois, à particularidade do teatro de la Huchette, por seu lugar e seu funcionamento em “grupo”. Faço parte de um dos últimos grupos formados. Sou um dos cinco atores que representou a “Cantora” a partir de setembro de 2009. Depois, um outro grupo a reprisou a partir de setembro de 2010.
Sophie Fontaine: O sucesso da peça é um grande mistério!!! E isso, no caso da “cantora”, é, acredito, único!
Jean Nöel: Ionesco é um dos raros autores que, em vida, passou de estatuto de autor de “vanguarda” para o de “clássico contemporâneo”. A peça que surpreendeu e alterou a sua criação é, hoje, largamente apreciada pelas novas gerações. E o teatro de la Huchette tem somente 90 lugares: como dizia o próprio Ionesco, “um grande sucesso num teatrinho é melhor que um sucessinho num teatro enorme e ainda melhor do que um sucessinho num teatrinho.” Nós tínhamos, até o ano passado, Odette Barrois, intérprete, em maio de 1950, do papel de Maria, a empregada de “A cantora careca” — ela teve uma aposentadoria bem merecida, não sem antes receber o prêmio de “melhor atriz” no festival de San Francisco por sua participação no filme “Odette”, de Nicolas Bacon (que ganhou o prêmio de excelência pela direção no festival de Los Angeles). Temos muitos atores que interpretaram papéis na peça de Ionesco mais de 5.000 vezes e que se tornam “sócios” do teatro de la Huchette depois de trinta anos. Jacques Legré, o antigo diretor durante mais de trinta anos, interpretou, entre outros, todos os personagens de “A cantora careca” – foi diretor, amigo de Nicolas Bataille, exerceu, depois da saída do último, a supervisão da direção. Ele ensaiou na última temporada uma nova distribuição que, pouco a pouco, vai abarcar outros atores. É preciso que os atores, que são cinco para cada personagem, interpretam por uma quinzena e, em seguida, deixem seu lugar para outro ator, daí a importância de reunir todos os atores para que eles estejam preparados para interpretar uns com os outros.
Dirce: Qual é o público que frequenta o teatro de la Huchette, ou melhor, qual é o público de Ionesco em Paris, cidade extremamente cosmopolita?
Sophie Fontaine: Já vi todo tipo de público no teatro de la Huchette! De 7 a 77 anos …, e de todas as nacionalidades, isso é muito tocante. Ionesco nos faz viajar graças a vocês! Muito obrigada!
Jean Nöel: Ionesco está presente nos manuais escolares em diferentes anos escolares, entre 10 e 18 anos, sem falar do ensino superior e das universidades. Nós temos uma política de tarifas atrativas para as escolas e reservamos um terço da sala para essa tarifa. Desse modo, temos regularmente grupos escolares e um grande número de estudantes. Há também um grande público de teatro que adora esse autor e que vem descobri-lo ou redescobri-lo no teatro de la Huchette. E graças a esse sucesso, o teatrinho de la Huchette é conhecido internacionalmente, e está nos guias como o detentor do recorde mundial de representações do mesmo espetáculo na mesma sala. Mais de 17.200 apresentações de “A cantora careca” e de “A lição” no final de janeiro de 2012.
Dirce: Vocês pensam em se apresentar algum dia no Brasil?
Christian Termis: Seria um verdadeiro prazer para a gente representar aí no Brasil, apresentar aos espectadores brasileiros as duas primeiras peças de Ionesco na sua versão original.
Sophie Fontaine: Seria maravilhoso ir ao Brasil, é claro.
Jean Nöel: Apresentar o espetáculo no Brasil seria uma grande honra e um verdadeiro prazer. Nós responderíamos bem a todas as proposições de um produtor privado brasileiro que desejasse nos produzir. É preciso colocar a questão ao Instituto Francês ou à nossa Embaixada…
Dirce: Vocês conhecem um dramaturgo brasileiro chamado Qorpo-Santo, que no século XIX escrevia peças absurdas?
Christian Termis: Não, foi você que me falou da sua existência … Sabe se ele foi traduzido para o francês? Eu adoraria ler.
Sophie Fontaine: Não conheço esse dramaturgo, mas vou tentar encontrar suas peças.
Jean Nöel: Não, infelizmente não, e sinto muito. Existem traduções de sua peça para o francês?
Dirce: Afinal, Ionesco nasceu em 1909 ou 1912? Há uma controvérsia a respeito, desde que o dramaturgo afirmou, numa entrevista, ter nascido em 1912, mas muitos documentos registram como data de seu nascimento o ano 1909. Comemoramos seu centenário de nascimento neste ano ou não?
Sophie Fontaine: Acho que Jean Noel, e sobretudo Legré (que conheceu muito bem Ionesco), possam responder melhor a essa pergunta.
Jean Nöel: Eugen Ionescu nasceu em 26 de novembro de 1909 (13, segundo o calendário ortodoxo), em Slatina (Romênia), situada a 150 km de Bucareste. Muitas fontes situam seu nascimento em 1912. O erro é devido a um “coquetismo” do autor. Trinta anos mais tarde, ele reconheceu que se rejuvenesceu três anos depois de ter lido uma declaração do crítico Jacques Lemarchand que, no início dos anos cinquenta, saudou a chegada de uma nova geração de “jovens” autores, entre os quais figuravam Ionesco e Beckett.
* Professora do curso de artes cênicas da UFSC.